O indivíduo mais limitado pode ser completo, se se move dentro das fronteiras das suas capacidades e das suas disposições pessoais. Pelo contrário, acontece que aquilo que em outros são qualidades incomparáveis, podem ser obscurecidas, apagadas ou mesmo aniquiladas, se se desfaz aquele equilíbrio imprescindível. E este mal há-de tornar-se ainda mais evidente nos tempos modernos; pois quem será capaz de satisfazer as exigências de um presente que não para de crescer e que aliás cresce cada vez mais depressa?
Johann Wolfgang von Goethe, em "Máximas e Reflexões"
domingo, 31 de janeiro de 2010
Papo para Maluco
Se Voltaire fosse mais tolerante, teria visto umas verdades em Leibniz e não teria criado o Dr. Pangloss...
Por que as pessoas insistem em ter uma linha fixa de pensamento criando dogmas?Até o não criar dogmas virou um dogma.
Será que não tem como criar uma nova receita?
1/2kg de empirismo
3 xícaras de racionalismo
2 kg de estoicismo
1 pitada de epicurismo
1 xícara de misticismo...
A vida é cheia de contrários, e até um quark tem seu antiquark. Devemos aprender mais com a natureza.
É questão de tolerância mesmo!
Por que as pessoas insistem em ter uma linha fixa de pensamento criando dogmas?Até o não criar dogmas virou um dogma.
Será que não tem como criar uma nova receita?
1/2kg de empirismo
3 xícaras de racionalismo
2 kg de estoicismo
1 pitada de epicurismo
1 xícara de misticismo...
A vida é cheia de contrários, e até um quark tem seu antiquark. Devemos aprender mais com a natureza.
É questão de tolerância mesmo!
sábado, 30 de janeiro de 2010
O Homem - Um Mecanismo de Relógio
É realmente inacreditável como a vida da maioria dos homens flui de maneira insignificante e fútil, quando vista externamente, e quão apática e sem sentido pode parecer interiormente. As quatro idades da vida que levam à morte são feitas de ânsia e martírio extenuados, além de uma vertigem ilusória, acompanhada por uma série de pensamentos triviais. Assemelham-se ao mecanismo de um relógio, que é colocado em movimento e gira, sem saber por quê. E toda a vez que um homem é gerado e nasce, dá-se novamente corda ao relógio da vida humana, para então repetir a mesma cantilena pela enésima vez, frase por frase, compasso por compasso, com variações insignificantes.
Arthur Schopenhauer, em "A Arte de Insultar"
Arthur Schopenhauer, em "A Arte de Insultar"
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Coragem Ilusória
Há cinco espécies de coragem, assim denominadas segundo a semelhança: suportam as mesmas coisas, mas não pelos mesmos motivos. Uma é a coragem política: provém da vergonha; a segunda é própria dos soldados: nasce da experiência e do fato de conhecer, não - como dizia Sócrates - os perigos, mas os recursos contra eles; a terceira brota da falta de experiência e da ignorância, e por ela são induzidas as crianças e os loucos, estes quando enfrentam a fúria dos elementos, aquelas quando pegam em serpentes. Outra espécie é a de quem tem esperança: graças a ela, arrostam os perigos aqueles que, muitas vezes, tiveram sorte (...) e os ébrios; o vinho, de fato, excita a confiança.
Outra ainda dimana da paixão irracional, por exemplo, do amor e da ira.
Se alguém está enamorado, é mais temerário que covarde e enfrenta muitos perigos, como aquele que no Metaponto matou o tirano, ou o cretense de que fala a lenda; o mesmo se passa com a cólera e com a ira. Pois a ira é capaz de nos pôr fora de nós. Por isso, se afiguram também corajosos os javalis, embora não sejam; quando fora de si, têm uma qualidade semelhante, de outro modo, são inconstantes como os temerários. Todavia, a coragem que nasce da ira é a mais natural: a ira é, efetivamente, algo de invencível, e é por isso que os jovens lutam melhor. A coragem cívica, pelo contrário, brota da lei. Nenhuma destas espécies é, na realidade, coragem, mas todas são úteis para encorajar nas situações de perigo.
Aristóteles, em 'Ética a Eudemo'
Outra ainda dimana da paixão irracional, por exemplo, do amor e da ira.
Se alguém está enamorado, é mais temerário que covarde e enfrenta muitos perigos, como aquele que no Metaponto matou o tirano, ou o cretense de que fala a lenda; o mesmo se passa com a cólera e com a ira. Pois a ira é capaz de nos pôr fora de nós. Por isso, se afiguram também corajosos os javalis, embora não sejam; quando fora de si, têm uma qualidade semelhante, de outro modo, são inconstantes como os temerários. Todavia, a coragem que nasce da ira é a mais natural: a ira é, efetivamente, algo de invencível, e é por isso que os jovens lutam melhor. A coragem cívica, pelo contrário, brota da lei. Nenhuma destas espécies é, na realidade, coragem, mas todas são úteis para encorajar nas situações de perigo.
Aristóteles, em 'Ética a Eudemo'
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Fotografias
Tem fatos que marcam a nossa vida mais que qualquer outra coisa. É como um filme que se repete todos os dias na nossa mente e, ao passo que olhamos excessivamente para trás, atrasamos nossa caminhada. Muitas vezes paramos o tempo voltando ao momento exato, aqueles segundos que abrem várias lacunas a prencher na nossa alma. Buscamos respostas que já temos, mas não aceitamos. Outras perguntas realmente ficam sem resposta. É como olhar uma fotografia. Você pode saber onde foi tirada, o por quê, em que circunstância, mas o que se passava na mente de cada pessoa presente na foto você não vai saber.
Se e quando isso vai parar e por que acontece eu não sei. É um tempo de reflexão que varia de indivíduo para indivíduo. Quando a lembrança é ruim, a maioria das vezes, esse tempo se prolongando não faz bem. Algumas vezes essas repetições se devem ao medo de que cada detalhe dessa lembrança se apague.
Certifique-se se há algo ainda inacabado ou que possa ser mudado.
É difícil não se isolar nessas horas. Não faça isso por muito tempo!
Querendo ou não a vida vai te forçar a sair desse marasmo. Esteja pronto.
Busque força no Senhor dos Tempos, que é o mestre do poder infinito. Quanto mais fé, mais rápido virá o conforto para nossas inquietações.
Se e quando isso vai parar e por que acontece eu não sei. É um tempo de reflexão que varia de indivíduo para indivíduo. Quando a lembrança é ruim, a maioria das vezes, esse tempo se prolongando não faz bem. Algumas vezes essas repetições se devem ao medo de que cada detalhe dessa lembrança se apague.
Certifique-se se há algo ainda inacabado ou que possa ser mudado.
É difícil não se isolar nessas horas. Não faça isso por muito tempo!
Querendo ou não a vida vai te forçar a sair desse marasmo. Esteja pronto.
Busque força no Senhor dos Tempos, que é o mestre do poder infinito. Quanto mais fé, mais rápido virá o conforto para nossas inquietações.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Pra Você Guardei o Amor
Composição: Nando Reis
Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir
Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir
Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar
Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar
Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar
Pra você guardei o amor
Que aprendi vendo meus pais
O amor que tive e recebi
E hoje posso dar livre e feliz
Céu cheiro e ar na cor que arco-íris
Risca ao levitar
Vou nascer de novo
Lápis, edifício, tevere, ponte
Desenhar no seu quadril
Meus lábios beijam signos feito sinos
Trilho a infância, terço o berço
Do seu lar
Pra você guardei o amor
Que nunca soube dar
O amor que tive e vi sem me deixar
Sentir sem conseguir provar
Sem entregar
E repartir
Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir
Quem acolher o que ele tem e traz
Quem entender o que ele diz
No giz do gesto o jeito pronto
Do piscar dos cílios
Que o convite do silêncio
Exibe em cada olhar
Guardei
Sem ter porque
Nem por razão
Ou coisa outra qualquer
Além de não saber como fazer
Pra ter um jeito meu de me mostrar
Achei
Vendo em você
E explicação
Nenhuma isso requer
Se o coração bater forte e arder
No fogo o gelo vai queimar
Pra você guardei o amor
Que aprendi vendo meus pais
O amor que tive e recebi
E hoje posso dar livre e feliz
Céu cheiro e ar na cor que arco-íris
Risca ao levitar
Vou nascer de novo
Lápis, edifício, tevere, ponte
Desenhar no seu quadril
Meus lábios beijam signos feito sinos
Trilho a infância, terço o berço
Do seu lar
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Malfeitor
"O malfeitor, aquele que engana, aquele que faz coisas repreensíveis, não representa a sociedade; ele é um indivíduo. O que faz é por conta própria. Ao proclamar uma inverdade, ele o faz acreditando que alguns pensem como ele. Em realidade, ele fala porque tem certeza de que muitos vão segui-lo, porque acredita na falta de coragem do homem."
Antônio de Aquino - Reflexões
Antônio de Aquino - Reflexões
domingo, 24 de janeiro de 2010
Cume
Melhor que admirar as belas montanhas é conhecê-las. É muito importante desenvolver esse desejo de alcançar o cume, onde a visão se amplia.
O conhecimento que resulta das experiências vividas é muito mais significativo.
A vida pede envolvimento, coragem, tentativas sucessivas, com fracassos e êxitos, até que o conhecimento adquirido seja consolidado.
Por mais que você tente se fechar em um casulo, a vida te chama de alguma forma para chegar cada vez mais alto. Não resista!
Escolha sua montanha e não receie escalá-la.
É só ter cuidado para não derrubar ou passar por cima de alguém. E quando se cansar, peça com mais força a ajuda de Deus!
A Hipocrisia do Amor-Próprio
A natureza do amor-próprio e deste eu humano é de só se amar a si e de só se considerar a si. Mas que há de fazer? Não saberia impedir que este objeto que ama esteja cheio de defeitos e de misérias: quer ser grande e vê-se pequeno; quer ser feliz e vê-se miserável; quer ser perfeito e vê-se cheio de imperfeições; quer ser objeto do amor e da estima dos homens e vê que os seus defeitos só merecem a sua aversão e o seu desprezo. Este embaraço em que se encontra produz nele a mais injusta e a mais criminosa paixão que é possível imaginar; porque concebe um ódio mortal contra esta verdade que o repreende, e que o convence dos seus defeitos. Ele desejaria aniquilá-la, e não a podendo destruir em si mesma, destrói-a, tanto quanto pode, no seu conhecimento e no dos outros, isto é, põe todos os cuidados em encobrir os seus defeitos, aos outros e a si mesmo, e não suporta que lhos façam ver, nem que lhos vejam.
É sem dúvida um mal estar cheio de defeitos; mas é ainda um mal muito maior estar cheio e não os querer reconhecer, visto que é acrescentar-lhe ainda o de uma ilusão voluntária. Não queremos que os outros nos enganem; não achamos justo que queiram ser mais estimados por nós do que o que merecem: não é portanto justo também que os enganemos e queiramos que nos estimem mais do que merecemos.
Assim, quando só descobrem imperfeições e vícios que nós com efeito temos, é visível que não nos prejudicam, visto que não são eles a causa dessas imperfeições, e que nos fazem um benefício, por nos ajudarem a libertar-nos de um mal, que é a ignorância das imperfeições. Não nos devemos zangar porque as conheçam, e porque nos menosprezem: sendo justo que nos conheçam pelo que somos, e que nos desprezem se somos desprezíveis.
Eis os sentimentos que nasceriam de um coração cheio de retidão e de justiça. Que devemos portanto dizer do nosso, quando nele encontrarmos uma disposição completamente contrária? Pois não será verdade que odiamos a verdade e aqueles que nos a dizem, e que gostamos que se enganem com vantagem para nós e que queremos ser estimados por eles por sermos diferentes daquilo que com efeito somos?
(...) A vida humana é apenas uma ilusão perpétua; o que fazemos é enganar-nos e iludir-nos mutuamente. Ninguém fala de nós na nossa presença como na nossa ausência. A união que existe entre os homens é fundada sobre este mútuo embuste; e poucas amizades subsistiriam se cada um soubesse o que o seu amigo diz dele quando não está presente, ainda que ele fale então sinceramente e sem paixão.
O homem é apenas disfarce, engano e hipocrisia em si mesmo e para com os outros. Não quer que lhe digam a verdade e evita dizê-la aos outros; e todas estas disposições tão afastadas da justiça e da razão têm uma raiz natural no seu coração.
Blaise Pascal, em "Pensamentos"
É sem dúvida um mal estar cheio de defeitos; mas é ainda um mal muito maior estar cheio e não os querer reconhecer, visto que é acrescentar-lhe ainda o de uma ilusão voluntária. Não queremos que os outros nos enganem; não achamos justo que queiram ser mais estimados por nós do que o que merecem: não é portanto justo também que os enganemos e queiramos que nos estimem mais do que merecemos.
Assim, quando só descobrem imperfeições e vícios que nós com efeito temos, é visível que não nos prejudicam, visto que não são eles a causa dessas imperfeições, e que nos fazem um benefício, por nos ajudarem a libertar-nos de um mal, que é a ignorância das imperfeições. Não nos devemos zangar porque as conheçam, e porque nos menosprezem: sendo justo que nos conheçam pelo que somos, e que nos desprezem se somos desprezíveis.
Eis os sentimentos que nasceriam de um coração cheio de retidão e de justiça. Que devemos portanto dizer do nosso, quando nele encontrarmos uma disposição completamente contrária? Pois não será verdade que odiamos a verdade e aqueles que nos a dizem, e que gostamos que se enganem com vantagem para nós e que queremos ser estimados por eles por sermos diferentes daquilo que com efeito somos?
(...) A vida humana é apenas uma ilusão perpétua; o que fazemos é enganar-nos e iludir-nos mutuamente. Ninguém fala de nós na nossa presença como na nossa ausência. A união que existe entre os homens é fundada sobre este mútuo embuste; e poucas amizades subsistiriam se cada um soubesse o que o seu amigo diz dele quando não está presente, ainda que ele fale então sinceramente e sem paixão.
O homem é apenas disfarce, engano e hipocrisia em si mesmo e para com os outros. Não quer que lhe digam a verdade e evita dizê-la aos outros; e todas estas disposições tão afastadas da justiça e da razão têm uma raiz natural no seu coração.
Blaise Pascal, em "Pensamentos"
sábado, 23 de janeiro de 2010
A Perseverança
Se há pessoas que não estudam ou que, se estudam, não aproveitam, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não interrogam os homens instruídos para esclarecer as suas dúvidas ou o que ignoram, ou que, mesmo interrogando-os, não conseguem ficar mais instruídas, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não meditam ou que, mesmo que meditem, não conseguem adquirir um conhecimento claro do princípio do bem, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não distinguem o bem do mal ou que, mesmo que distingam, não têm uma percepção clara e nítida, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não praticam o bem ou que, mesmo que o pratiquem, não podem aplicar nisso todas as suas forças, elas que não se desencorajem e não desistam; o que outros fariam numa só vez, elas o farão em dez, o que outros fariam em cem vezes, elas o farão em mil, porque aquele que seguir verdadeiramente esta regra da perseverança, por mais ignorante que seja, tornar-se-á uma pessoa esclarecida, por mais fraco que seja, tornar-se-á necessariamente forte.
Confúcio, em 'A Sabedoria de Confúcio'
Confúcio, em 'A Sabedoria de Confúcio'
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Simplicidade e Perseverança
O que pensas que foi a vida dos homens que se conseguiram erguer acima do comum? Um combate contínuo.
Se se tratar de um escritor, para escrever, uma luta contra a preguiça (que ele sente tanto como o homem comum): e isto porque o seu gênio quer manifestar-se e ele não obedece apenas ao desejo vão de se tornar célebre, mas ao apelo da sua consciência.
Calem-se portanto os que trabalham com frieza: poder-se-á imaginar o que é trabalhar sob a influência da inspiração? Que medo, que hesitação sentimos em despertar esse leão adormecido, cujos rugidos fazem estremecer todo o nosso ser! Mas, voltando atrás: ser firme, simples e verdadeiro - eis o útil ensinamento de todos os momentos.
Eugène Delacroix, em 'Diário'
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
La poeto - O poeta
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!
Sou um estrangeiro neste mundo!
Mi estas fremdulo kaj en la fremdeco estas kruela soleco, doloriga tedo; sed ĝi igas min pensadi pri ĉarma patrio, kiun mi ne konas, kaj plenigas miajn revojn je bildoj de lando malproksimega, kiun miaj okuloj ankoraŭ ne vidis.
Sou um estrangeiro e por isso minha vida é uma solidão cruel, tédio doloroso que me obriga a pensar numa pátria encantadora, que eu não conheço, mas que enche os meus sonhos, povoando-me a imaginação de imagens de um país distante, que meus olhos ainda não viram.
Mi estas fremda al mia parencaro kaj al miaj amikoj. Kiam mi renkontas iun el ili, mi diras al mi mem: " Kiu estas tiu ĉi? Kiel mi lin ekkonis, kia tradicio kunigis min kun li, kial mi al li alproksimiĝas, kaj kial mi sidas ĉe li?
Sou um estranho para meus parentes e amigos. Quando encontro um deles, digo a mim mesmo: "Quem é este? Como o conheci, que tradição me uniu a ele? Por que dele me aproximo e por que junto dele me assento?
Mi estas fremda al mi mem: kiam mi ekaŭdas la parolon de mia lango, miaj oreloj trovas stranga mian voĉon. Mi vidas mian kaŝitan personeco ridanta kaj ploranta, kuraĝa kaj timema; mia estado admiras miam estadon, kaj mian spiriton deĉifras la spirito mia, sed mi restadas malkonata, malmontrata per nebulo, forkaŝitan de l' silento.
Sou estranho a mim mesmo: quando ouço as palavras de minha língua, meus ouvidos acham estranha a minha voz. Vejo minha oculta personalidade rindo e chorando, corajosa e medrosa; meu ser admira o meu ser e o meu espírito decifra o meu espírito, mas eu continuo desconhecido, encoberto pela névoa, oculto, ao longe, pelo silêncio.
Mi estas fremda al mia korpo: kiam mi staras antaŭ la spegulo, ĉiam mi vidas en mia vizaĝo tion, kion mia animo ne sentas, kaj mi trovas en miaj okuloj tion, kion la profundoj de mia estaĵo ne enkaŝas. Mi laŭiras la stratojn de l'urbo kaj min sekvas la junuloj, kriante: " Jen la blindulo; ni donu al li bastonon por ke li sin apogu per ĝi". Kaj mi foriras de ili rapidante.
Sou estranho ao meu corpo: quando me contemplo frente ao espelho, sempre vejo em meu rosto aquilo que minha alma não sente e acho nos meus olhos aquilo que as profundezas de meu ser não ocultam. Eu acompanho a estrada da cidade e os jovens me seguem gritando: " Eis um cego; demos-lhe uma bengala para que ele se apoie." E eu me afasto deles rapidamente.
Poste mi renkontas aron da knabinoj, kiuj ekprenas min je la vesto, dirante: "Li estas surda kiel ŝtono; ni plenigu liajn orelojn je l' melodio de la flirto". Kaj mi forlasas ilin dekurante.
Depois encontro um grupo de meninas que me puxam pelas vestes, dizendo: Ele é surdo como a pedra; enchamos seus ouvidos com a melodia do flerte". E eu as abandono, correndo.
Poste mi renkontas grupon da plenaĝuloj, kiuj stariĝas ĉirkaŭ mi, dirante: "Ni rektigu la kurbecon de lia lango, ĉar li estas muta, kiel tombo"; kaj mi deiras de ili, timante.
Depois encontro um grupo de adultos que se estabelecem próximo a mim, dizendo: "Desencurvemos sua língua, porque ele é mudo como um túmulo"; e eu me desvio deles, temendo.
Kaj poste mi renkontas grupeton de maljunuloj, kiuj indikas al mi per fingroj tremetantaj kaj diras:" Li estas frenezulo forperdinta sian prudenton".
E depois encontro um grupinho de idosos que me apontam com os dedos tremendo e dizem: "Ele é um louco que perdeu a prudência".
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!
Sou um estrangeiro neste mundo!
Mi estas frendulo, ĉar mi travojaĝis Orienton kaj Okcidenton kaj ne trovis mian landon, nek renkontis iun, kiu min konas nek kiun aŭskultis pri mi.
Sou um estrangeiro porque viajei pelo Oriente e pelo Ocidente e não encontrei meu país, nem encontrei alguém que me conhecesse nem que tenha escutado algo ao meu respeito.
Mi vekiĝas matene kaj trovas min mallibera en senluma kaverno de kies plafono dependas serpentoj kaj ĉe kies anguloj abundas insektoj.
Acordo de manhã e encontro-me preso em uma escura caverna, com serpentes a pender do teto e insetos em todos os seus ângulos.
Poste mi aliras al la lumo, sekvate de l' ombro de mia korpo, sed la ombroj de mia animo iradas antaŭe de mi tien, kie mi ne scias; ili priserĉas aferojn, kiujn mi ne komprenas kaj tenas objektojn de mi nebezonatajn.
Depois dirijo-me para a luz, acompanhado pela sombra de meu corpo, mas as sombras de minha alma seguem , lá, a minha frente, onde não conheço; Elas revistam as coisas que eu não compreendo e sustentam objetos que me são desnecessários.
Kaj kiam vesperiĝas, mi revenas kaj rekuŝigas min sur matracon elfaritan el strutaj plumoj kaj dornaĉoj. Tiam strangaj pensoj min ekposedas, kaj transprenas min inklinoj ĉagrenaj, ĝojigaj, dolorigaj, agrablaj.
E quando anoitece, volto e novamente me deito sobre o colchão feito de pena de avestruz e como se ele fosse feito de espinhos. Então estranhos pensamentos se apossam de mim: inclinações penosas, alegres, dolorosas e agradáveis.
Je l' noktomezo envenas al mi, el tra la fendaĵoj de l' kaverno, fantomoj de praaj tempoj kaj spiritoj de jam fogesitaj nacioj. Mi ilin fikse rigardas kaj ili min ankaŭ rigardas fikse; mi alparolas ilin demandante, kaj ili respondas min ridetante.
À meia noite vêm a mim, através das fendas da caverna,fantasmas dos tempos antigos e espíritos de nações já esquecidas. Olho-os fixamente e eles também me olham assim; Dirijo-me a eles com perguntas e eles me respondem sorrindo.
Poste mi intencas preni ilin, sed ili eknevidebliĝas kaj neniiĝas kiel fumo.
Depois me vem a intenção de toca-los, mas eles se tornam invisíveis e se desvanecem como fumaça.
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!
Sou estrangeiro neste mundo!
Mi estas fremdulo kaj ne ekzistas iu, kiu scipovas eĉ unu vorto el la lingvo de mia animo.
Sou estrangeiro e não existe alguém que saiba até mesmo uma palavra da língua de minha alma.
Mi iras tra la dezerto kaj mi vidas riverojn suprenirantajn el la profundaĵoj de l' valo al la montosupro. Mi vidas, ke nudaj arboj sin kovras, belaspektiĝas, ekfruktas kaj disigas sian foliaron en unu minuto, kaj poste, ke ties branĉoj defalas sur la herbetaron kaj iĝas serpentoj tremantaj. Mi vidas la birdarojn deflugantaj, alteniĝantaj, malsupreniĝantaj, ĝoje kantantaj kaj ululantaj. Mi vidas, ke poste ili haltas kaj, malferminte la flugilojn, ili fariĝas nudaj knabinoj kun longaj, delasitaj hararoj kaj etenditaj koloj kiuj rigardas min el palpebroj ombrumitaj per amo, ridetas al mi per lipoj rozecaj, ŝmiritaj per mielo, kaj etendas al mi manojn blankajn, delikatajn, parfumitajn per olibano.
Eu caminho através do deserto e vejo rios subindo das profundezas do vale para cima do monte. Vejo que árvores nuas se cobrem de folhagem , no mais belo aspecto , e se frutificam em um minuto, e depois que esses ramos caem sobre a relva e se transformam em trêmulas serpentes. Vejo pássaros voando para o alto e para baixo, cantando alegremente e lamentando. Vejo que depois eles param e, abrindo as asas, tornam-se meninas nuas com longos e soltos cabelos e pescoços estendidos, que me observavam com palpebras sombreadas pelo amor; sorrindo para mim com os lábios rosados, borrifados pelo mel, e estendendo-me brancas mãos, delicadas, perfumadas pelo olíbano
Poste, ekskuiĝante, ili malaperas for de mia vidado, kaj neniiĝas kvazaŭ nebulo, postlasante en la spaco la ehon de sia ridado kaj mokado pri mi.
Depois, tremulamente, desaparecem se afastando da minha vista, e se desfazem como névoa, deixando no espaço o eco de suas risadas a zombar de mim.
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!Sou estrangeiro neste mundo!
Mi estas poeto kiu versigas tion, kion la vivo proze verkas, kaj prozigas kion ĝi verse komponas.
Sou poeta que versifica aquilo que a vida escreve em prosa e faz em prosa aquilo que ela compõe em versos.
Tial mi estas fremdulo, kaj mi restados fremda ĝis la morto min prenos kaj transportos al mia patrio.
Por isso sou um estrangeiro, e permanecerei estrangeiro até a morte me tomar e me tranportar a minha pátria.
Ĝ. Ĥalil' Ĝibran' - Rakontoj kaj Poemoj
Gibran Khalil Gibran - Contos e Poemas
Tradução do árabe para o esperanto pelo esperantista Georgo Abraĥam
Tradução do esperanto para o português pela esperantista Mary(eu!rs)
Sou um estrangeiro neste mundo!
Mi estas fremdulo kaj en la fremdeco estas kruela soleco, doloriga tedo; sed ĝi igas min pensadi pri ĉarma patrio, kiun mi ne konas, kaj plenigas miajn revojn je bildoj de lando malproksimega, kiun miaj okuloj ankoraŭ ne vidis.
Sou um estrangeiro e por isso minha vida é uma solidão cruel, tédio doloroso que me obriga a pensar numa pátria encantadora, que eu não conheço, mas que enche os meus sonhos, povoando-me a imaginação de imagens de um país distante, que meus olhos ainda não viram.
Mi estas fremda al mia parencaro kaj al miaj amikoj. Kiam mi renkontas iun el ili, mi diras al mi mem: " Kiu estas tiu ĉi? Kiel mi lin ekkonis, kia tradicio kunigis min kun li, kial mi al li alproksimiĝas, kaj kial mi sidas ĉe li?
Sou um estranho para meus parentes e amigos. Quando encontro um deles, digo a mim mesmo: "Quem é este? Como o conheci, que tradição me uniu a ele? Por que dele me aproximo e por que junto dele me assento?
Mi estas fremda al mi mem: kiam mi ekaŭdas la parolon de mia lango, miaj oreloj trovas stranga mian voĉon. Mi vidas mian kaŝitan personeco ridanta kaj ploranta, kuraĝa kaj timema; mia estado admiras miam estadon, kaj mian spiriton deĉifras la spirito mia, sed mi restadas malkonata, malmontrata per nebulo, forkaŝitan de l' silento.
Sou estranho a mim mesmo: quando ouço as palavras de minha língua, meus ouvidos acham estranha a minha voz. Vejo minha oculta personalidade rindo e chorando, corajosa e medrosa; meu ser admira o meu ser e o meu espírito decifra o meu espírito, mas eu continuo desconhecido, encoberto pela névoa, oculto, ao longe, pelo silêncio.
Mi estas fremda al mia korpo: kiam mi staras antaŭ la spegulo, ĉiam mi vidas en mia vizaĝo tion, kion mia animo ne sentas, kaj mi trovas en miaj okuloj tion, kion la profundoj de mia estaĵo ne enkaŝas. Mi laŭiras la stratojn de l'urbo kaj min sekvas la junuloj, kriante: " Jen la blindulo; ni donu al li bastonon por ke li sin apogu per ĝi". Kaj mi foriras de ili rapidante.
Sou estranho ao meu corpo: quando me contemplo frente ao espelho, sempre vejo em meu rosto aquilo que minha alma não sente e acho nos meus olhos aquilo que as profundezas de meu ser não ocultam. Eu acompanho a estrada da cidade e os jovens me seguem gritando: " Eis um cego; demos-lhe uma bengala para que ele se apoie." E eu me afasto deles rapidamente.
Poste mi renkontas aron da knabinoj, kiuj ekprenas min je la vesto, dirante: "Li estas surda kiel ŝtono; ni plenigu liajn orelojn je l' melodio de la flirto". Kaj mi forlasas ilin dekurante.
Depois encontro um grupo de meninas que me puxam pelas vestes, dizendo: Ele é surdo como a pedra; enchamos seus ouvidos com a melodia do flerte". E eu as abandono, correndo.
Poste mi renkontas grupon da plenaĝuloj, kiuj stariĝas ĉirkaŭ mi, dirante: "Ni rektigu la kurbecon de lia lango, ĉar li estas muta, kiel tombo"; kaj mi deiras de ili, timante.
Depois encontro um grupo de adultos que se estabelecem próximo a mim, dizendo: "Desencurvemos sua língua, porque ele é mudo como um túmulo"; e eu me desvio deles, temendo.
Kaj poste mi renkontas grupeton de maljunuloj, kiuj indikas al mi per fingroj tremetantaj kaj diras:" Li estas frenezulo forperdinta sian prudenton".
E depois encontro um grupinho de idosos que me apontam com os dedos tremendo e dizem: "Ele é um louco que perdeu a prudência".
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!
Sou um estrangeiro neste mundo!
Mi estas frendulo, ĉar mi travojaĝis Orienton kaj Okcidenton kaj ne trovis mian landon, nek renkontis iun, kiu min konas nek kiun aŭskultis pri mi.
Sou um estrangeiro porque viajei pelo Oriente e pelo Ocidente e não encontrei meu país, nem encontrei alguém que me conhecesse nem que tenha escutado algo ao meu respeito.
Mi vekiĝas matene kaj trovas min mallibera en senluma kaverno de kies plafono dependas serpentoj kaj ĉe kies anguloj abundas insektoj.
Acordo de manhã e encontro-me preso em uma escura caverna, com serpentes a pender do teto e insetos em todos os seus ângulos.
Poste mi aliras al la lumo, sekvate de l' ombro de mia korpo, sed la ombroj de mia animo iradas antaŭe de mi tien, kie mi ne scias; ili priserĉas aferojn, kiujn mi ne komprenas kaj tenas objektojn de mi nebezonatajn.
Depois dirijo-me para a luz, acompanhado pela sombra de meu corpo, mas as sombras de minha alma seguem , lá, a minha frente, onde não conheço; Elas revistam as coisas que eu não compreendo e sustentam objetos que me são desnecessários.
Kaj kiam vesperiĝas, mi revenas kaj rekuŝigas min sur matracon elfaritan el strutaj plumoj kaj dornaĉoj. Tiam strangaj pensoj min ekposedas, kaj transprenas min inklinoj ĉagrenaj, ĝojigaj, dolorigaj, agrablaj.
E quando anoitece, volto e novamente me deito sobre o colchão feito de pena de avestruz e como se ele fosse feito de espinhos. Então estranhos pensamentos se apossam de mim: inclinações penosas, alegres, dolorosas e agradáveis.
Je l' noktomezo envenas al mi, el tra la fendaĵoj de l' kaverno, fantomoj de praaj tempoj kaj spiritoj de jam fogesitaj nacioj. Mi ilin fikse rigardas kaj ili min ankaŭ rigardas fikse; mi alparolas ilin demandante, kaj ili respondas min ridetante.
À meia noite vêm a mim, através das fendas da caverna,fantasmas dos tempos antigos e espíritos de nações já esquecidas. Olho-os fixamente e eles também me olham assim; Dirijo-me a eles com perguntas e eles me respondem sorrindo.
Poste mi intencas preni ilin, sed ili eknevidebliĝas kaj neniiĝas kiel fumo.
Depois me vem a intenção de toca-los, mas eles se tornam invisíveis e se desvanecem como fumaça.
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!
Sou estrangeiro neste mundo!
Mi estas fremdulo kaj ne ekzistas iu, kiu scipovas eĉ unu vorto el la lingvo de mia animo.
Sou estrangeiro e não existe alguém que saiba até mesmo uma palavra da língua de minha alma.
Mi iras tra la dezerto kaj mi vidas riverojn suprenirantajn el la profundaĵoj de l' valo al la montosupro. Mi vidas, ke nudaj arboj sin kovras, belaspektiĝas, ekfruktas kaj disigas sian foliaron en unu minuto, kaj poste, ke ties branĉoj defalas sur la herbetaron kaj iĝas serpentoj tremantaj. Mi vidas la birdarojn deflugantaj, alteniĝantaj, malsupreniĝantaj, ĝoje kantantaj kaj ululantaj. Mi vidas, ke poste ili haltas kaj, malferminte la flugilojn, ili fariĝas nudaj knabinoj kun longaj, delasitaj hararoj kaj etenditaj koloj kiuj rigardas min el palpebroj ombrumitaj per amo, ridetas al mi per lipoj rozecaj, ŝmiritaj per mielo, kaj etendas al mi manojn blankajn, delikatajn, parfumitajn per olibano.
Eu caminho através do deserto e vejo rios subindo das profundezas do vale para cima do monte. Vejo que árvores nuas se cobrem de folhagem , no mais belo aspecto , e se frutificam em um minuto, e depois que esses ramos caem sobre a relva e se transformam em trêmulas serpentes. Vejo pássaros voando para o alto e para baixo, cantando alegremente e lamentando. Vejo que depois eles param e, abrindo as asas, tornam-se meninas nuas com longos e soltos cabelos e pescoços estendidos, que me observavam com palpebras sombreadas pelo amor; sorrindo para mim com os lábios rosados, borrifados pelo mel, e estendendo-me brancas mãos, delicadas, perfumadas pelo olíbano
Poste, ekskuiĝante, ili malaperas for de mia vidado, kaj neniiĝas kvazaŭ nebulo, postlasante en la spaco la ehon de sia ridado kaj mokado pri mi.
Depois, tremulamente, desaparecem se afastando da minha vista, e se desfazem como névoa, deixando no espaço o eco de suas risadas a zombar de mim.
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!Sou estrangeiro neste mundo!
Mi estas poeto kiu versigas tion, kion la vivo proze verkas, kaj prozigas kion ĝi verse komponas.
Sou poeta que versifica aquilo que a vida escreve em prosa e faz em prosa aquilo que ela compõe em versos.
Tial mi estas fremdulo, kaj mi restados fremda ĝis la morto min prenos kaj transportos al mia patrio.
Por isso sou um estrangeiro, e permanecerei estrangeiro até a morte me tomar e me tranportar a minha pátria.
Ĝ. Ĥalil' Ĝibran' - Rakontoj kaj Poemoj
Gibran Khalil Gibran - Contos e Poemas
Tradução do árabe para o esperanto pelo esperantista Georgo Abraĥam
Tradução do esperanto para o português pela esperantista Mary(eu!rs)
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Falta de Estudo
Se um homem ama a honestidade e não ama o estudo, a sua falta será uma tendência para desperdiçar ou transtornar as coisas.
Se um homem adora a simplicidade, mas não adora o estudo, a sua falta será puro prosseguimento na rotina.
Se um homem aprecia a coragem, e não aprecia o estudo, a sua falta será turbulência ou violência.
Se um homem elogia a decisão de caráter e não elogia o estudo, a sua falta será obstinação ou teimosa crença em si mesmo.
Confúcio, em 'A Sabedoria de Confúcio'
Se um homem adora a simplicidade, mas não adora o estudo, a sua falta será puro prosseguimento na rotina.
Se um homem aprecia a coragem, e não aprecia o estudo, a sua falta será turbulência ou violência.
Se um homem elogia a decisão de caráter e não elogia o estudo, a sua falta será obstinação ou teimosa crença em si mesmo.
Confúcio, em 'A Sabedoria de Confúcio'
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
O Socorro Contra as Nossas Perdas
O verdadeiro bem — a sabedoria e a virtude — é seguro e eterno; é este bem, aliás, a única coisa imortal que é concedida aos mortais. Estes, porém, são tão falhos, tão esquecidos do caminho que seguem, do termo para que cada dia os vai arrastando que se admiram quando perdem alguma coisa — eles que, mais tarde ou mais cedo, hão-de perder tudo!
Tudo aquilo de que és considerado dono está à tua mão, mas sem ser verdadeiramente teu; um ser instável nada possui de estável, um ser efémero nada possui de eterno e indestrutível.
Perder é tão inevitável como morrer; se bem a entendermos, esta verdade é uma consolação para nós. Perde, pois, imperturbavelmente: tudo um dia morrerá.
Que socorro podemos conseguir contra todas as nossas perdas? Apenas isto: guardemos na memória as coisas que perdemos sem deixar que o proveito que delas tiramos desapareça também com elas. Podemos ser privados de as possuir, nunca de as ter possuído. É extremamente ingrato quem pensa que já nada deve porque perdeu o empréstimo! O acaso privou-nos do objeto, mas deixou em nós o uso e proveito que dele tiramos, e que nós deixamos esquecer pelo perverso desejo de continuar a possuí-lo!
Sêneca, em 'Cartas a Lucílio'
Tudo aquilo de que és considerado dono está à tua mão, mas sem ser verdadeiramente teu; um ser instável nada possui de estável, um ser efémero nada possui de eterno e indestrutível.
Perder é tão inevitável como morrer; se bem a entendermos, esta verdade é uma consolação para nós. Perde, pois, imperturbavelmente: tudo um dia morrerá.
Que socorro podemos conseguir contra todas as nossas perdas? Apenas isto: guardemos na memória as coisas que perdemos sem deixar que o proveito que delas tiramos desapareça também com elas. Podemos ser privados de as possuir, nunca de as ter possuído. É extremamente ingrato quem pensa que já nada deve porque perdeu o empréstimo! O acaso privou-nos do objeto, mas deixou em nós o uso e proveito que dele tiramos, e que nós deixamos esquecer pelo perverso desejo de continuar a possuí-lo!
Sêneca, em 'Cartas a Lucílio'
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Garçon, mais uma garrafa!
A tristeza é como um pó depositado no fundo de uma garrafa cheia de alegria a qual se teme sacudir.
Há momentos na vida que a garrafa é agitada e o líquido da alegria fica turvo.
Há momentos que a garrafa tomba e tudo que há nela se derrama.
Há momentos que a alegria evapora e o pó o vento leva deixando-a de pé, mas ainda vazia.
Mas, e se a tampa da sua garrafa ficasse aberta e a alegria, volátil, evaporasse deixando somente o pó da tristeza?
Qual seria sua escolha?
Esperar a ajuda do vento?
Aguardar a próxima chuva de alegria?
Deixar a garrafa ,tombada ou de pé, e vazia?
Abandonar a garrafa? Creio que não! Ela é um bem muito precioso emprestada por um tempo limitado.
Se pode esperar sim pelo vento, mas a gente nunca terá o seu domínio.
Domínio a gente tem das nossas escolhas dadas as situações.
Um bom dia a todos!
Hoje, o conteúdo da minha garrafa está turvo, mas como tudo na vida sei que é temporário. O que importa é que eu sei que a alegria está bem guardada aqui dentro.
Há momentos na vida que a garrafa é agitada e o líquido da alegria fica turvo.
Há momentos que a garrafa tomba e tudo que há nela se derrama.
Há momentos que a alegria evapora e o pó o vento leva deixando-a de pé, mas ainda vazia.
Mas, e se a tampa da sua garrafa ficasse aberta e a alegria, volátil, evaporasse deixando somente o pó da tristeza?
Qual seria sua escolha?
Esperar a ajuda do vento?
Aguardar a próxima chuva de alegria?
Deixar a garrafa ,tombada ou de pé, e vazia?
Abandonar a garrafa? Creio que não! Ela é um bem muito precioso emprestada por um tempo limitado.
Se pode esperar sim pelo vento, mas a gente nunca terá o seu domínio.
Domínio a gente tem das nossas escolhas dadas as situações.
Um bom dia a todos!
Hoje, o conteúdo da minha garrafa está turvo, mas como tudo na vida sei que é temporário. O que importa é que eu sei que a alegria está bem guardada aqui dentro.
Dos Mártires das Leis do Homem
És dos que nasceram no berço da tristeza e foram criados no colo do infortúnio e na casa da opressão? Estarás mastigando uma côdea endurecida, que tens de humedecer com tuas lágrimas? Estarás bebendo da água turva à qual se misturam sangue e lágrimas?
És um soldado compelido pela dura lei dos homens a abandonar mulher e filhos, e atirar-se ao campo de batalha a serviço da Ambição que seus líderes chamam erradamente de Dever?
És um poeta satisfeito com tuas migalhas da vida, feliz em dispor de pergaminho e tinta, acampado em tua terra como se foras um estrangeiro, e desconhecido por teus compatriotas?
És um priosineiro, encarcerado em masmorra escura por alguma ofensa insignificante, e condenado por aqueles que procuram reformar o homem corrompendo-o?
És como a jovem a quem Deus concedeu a beleza, mas que descaiu vítima da volúpia ordinária do rico, que a enganou e comprou seu corpo, mas não seu coração, e abandonou ao infortúnio e a todas as dificuldades?
Se és um dentre esses, és um mártir da lei dos homens. Vives na miséria e tua miserabilidade é o fruto da iniquidade do forte e da injustiça do tirano, da brutalidade do rico e do egoísmo do libidinoso e do ambicioso.
Posso confortá-vos, caros desamparados, assegurando que há um Grande Poder por trás e além desse mundo de matéria, um poder que é todo Justiça, Perdão, Piedade e Amor.
Sois como uma flor que cresce na sombra; vem a brisa suave e espalha vossas sementes à luz do sol, por onde vos expandireis de novo em beleza.
Sois como a árvore nua curvada sob a neve do inverno; a primavera virá e espalhará seus mantos de verdura sobre vós; e a verdade descobrirá o véu de lágrimas que esconde vosso sorriso.
Eu vos tomarei sob minha proteção, meus irmãos aflitos, eu vos amo e desprezo vossos opressores.
Gibran Kahlil - A Voz do Mestre
És um soldado compelido pela dura lei dos homens a abandonar mulher e filhos, e atirar-se ao campo de batalha a serviço da Ambição que seus líderes chamam erradamente de Dever?
És um poeta satisfeito com tuas migalhas da vida, feliz em dispor de pergaminho e tinta, acampado em tua terra como se foras um estrangeiro, e desconhecido por teus compatriotas?
És um priosineiro, encarcerado em masmorra escura por alguma ofensa insignificante, e condenado por aqueles que procuram reformar o homem corrompendo-o?
És como a jovem a quem Deus concedeu a beleza, mas que descaiu vítima da volúpia ordinária do rico, que a enganou e comprou seu corpo, mas não seu coração, e abandonou ao infortúnio e a todas as dificuldades?
Se és um dentre esses, és um mártir da lei dos homens. Vives na miséria e tua miserabilidade é o fruto da iniquidade do forte e da injustiça do tirano, da brutalidade do rico e do egoísmo do libidinoso e do ambicioso.
Posso confortá-vos, caros desamparados, assegurando que há um Grande Poder por trás e além desse mundo de matéria, um poder que é todo Justiça, Perdão, Piedade e Amor.
Sois como uma flor que cresce na sombra; vem a brisa suave e espalha vossas sementes à luz do sol, por onde vos expandireis de novo em beleza.
Sois como a árvore nua curvada sob a neve do inverno; a primavera virá e espalhará seus mantos de verdura sobre vós; e a verdade descobrirá o véu de lágrimas que esconde vosso sorriso.
Eu vos tomarei sob minha proteção, meus irmãos aflitos, eu vos amo e desprezo vossos opressores.
Gibran Kahlil - A Voz do Mestre
domingo, 17 de janeiro de 2010
sábado, 16 de janeiro de 2010
Silento
"Silentu, koro mia, silentu ĝis la mateno, ĉar kiu pacience atendas la matenon, tiu la mateno trovos forta. Kaj kiu amas la lumon, tiun la lumo amas."
Silencia, meu coração; silencia até que chegue a manhã, porque aquele que espera, com paciência, pela manhã, esta o encontra forte. E quem a luz ama, é amado pela luz.
Gibran Kahlil, "Rakontoj kaj poemoj" (Inter Nokto kaj Mateno)
Gibran Kahlil, "Contos e Poemas" (Entre a noite e a Manhã)
Silencia, meu coração; silencia até que chegue a manhã, porque aquele que espera, com paciência, pela manhã, esta o encontra forte. E quem a luz ama, é amado pela luz.
Gibran Kahlil, "Rakontoj kaj poemoj" (Inter Nokto kaj Mateno)
Gibran Kahlil, "Contos e Poemas" (Entre a noite e a Manhã)
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
A Nossa Vitória de cada Dia
Olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer a sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gaffe.
Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingénuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer: pelo menos não fui tolo. E assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.
Clarice Lispector, em 'Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres'
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Sonhos
Um homem teve um sonho intrigante e, ao acordar, foi a um adivinho pedindo-lhe que o decifrasse.
"traga-me os sonhos que tiver quando acordado"- disse o adivinho ao homem - "e eu lhe darei o significado. Porque os sonhos de seu sono não pertencem nem à minha sabedoria nem à sua imaginação."
Gibran Kahlil, em 'O Errante'
"traga-me os sonhos que tiver quando acordado"- disse o adivinho ao homem - "e eu lhe darei o significado. Porque os sonhos de seu sono não pertencem nem à minha sabedoria nem à sua imaginação."
Gibran Kahlil, em 'O Errante'
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
A Esterilidade do Ódio
O ódio é um sentimento negativo que nada cria e tudo esteriliza: - e, quem a ele se abandona, bem depressa vê consumidas na inércia as forças e as faculdades que a Natureza lhe dera para a ação. O ódio, quando impotente, não tendo outro objeto direto e nem outra esperança senão o seu próprio desenvolvimento - é uma forma da ociosidade. É uma ociosidade sinistra, lívida, que se encolhe a um canto, na treva. (...) Mas que esse sentimento seja secundário na vasta obra que temos diante de nós, agora que acordamos - e não essencial, ou supremo e tão absorvente que só ele ocupe a nossa vida, e se substitua à própria obra.
Eça de Queirós, em 'Distrito de Évora'
Eça de Queirós, em 'Distrito de Évora'
terça-feira, 12 de janeiro de 2010
O Vazio da Pressa e do Dinamismo
A pressa, o nervosismo, a instabilidade, observados desde o surgimento das grandes cidades, alastram-se nos dias de hoje de uma forma tão epidémica quanto outrora a peste e a cólera. Nesse processo manifestam-se forças das quais os passantes apressados do século XIX não eram capazes de fazer a menor ideia. Todas as pessoas têm necessariamente algum projeto. O tempo de lazer exige que se o esgote. Ele é planeado, utilizado para que se empreenda alguma coisa, preenchido com vistas a toda espécie de espetáculo, ou ainda apenas com locomoções tão rápidas quanto possível. A sombra de tudo isso cai sobre o trabalho intelectual. Este é realizado com má consciência, como se tivesse sido roubado a alguma ocupação urgente, ainda que meramente imaginária. A fim de se justificar perante si mesmo, ele se dá ares de uma agitação febril, de um grande afã, de uma empresa que opera a todo vapor devido à urgência do tempo e para a qual toda a reflexão — isto é, ele mesmo — é um estorvo. Com frequência tudo se passa como se os intelectuais reservassem para a sua própria produção precisamente apenas aquelas horas que sobram das suas obrigações, saídas, compromissos, e divertimentos inevitáveis.
Theodore Adorno, em "Mínima Moralia"
Theodore Adorno, em "Mínima Moralia"
domingo, 10 de janeiro de 2010
As Horas
Damos festas, abandonamos as nossas famílias para vivermos sós no Canadá, batalhamos para escrever livros que não mudam o mundo apesar das nossas dádivas e dos nossos imensos esforços, das nossas absurdas esperanças. Vivemos as nossas vidas, fazemos seja o que for que fazemos e depois dormimos: é tão simples e tão normal como isso. Alguns se atiram de janelas, ou se afogam, ou tomam comprimidos; um número maior morre por acidente, e a maioria, a imensa maioria é lentamente devorada por alguma doença ou, com muita sorte, pelo próprio tempo. Há apenas uma consolação: uma hora aqui ou ali em que as nossas vidas parecem, contra todas as probabilidades e expectativas, abrir-se de repente e nos dar tudo quanto jamais imaginamos, embora todos, exceto as crianças (e talvez até elas), saibamos que a estas horas se seguirão inevitavelmente outras, muito mais negras e mais difíceis. Mesmo assim, adoramos a cidade, a manhã, mesmo assim desejamos, acima de tudo, mais.
Michael Cunningham, em 'As Hora'
Michael Cunningham, em 'As Hora'
sábado, 9 de janeiro de 2010
O Homem no Seu Século
Os indivíduos eminentemente insignes dependem dos tempos. Nem todos tiveram o tempo que mereciam, e muitos, ainda que o tivessem, não o conseguiram aproveitar. Alguns seriam dignos de melhor século, pois nem tudo o que é bom triunfa sempre; as coisas têm a sua vez, e até as eminências dependem do uso; mas o sábio tem uma vantagem: é eterno, e, se este não é o seu século, muitos outros o serão.
Baltasar Gracián y Morales, em 'A Arte da Prudência'
Baltasar Gracián y Morales, em 'A Arte da Prudência'
sexta-feira, 8 de janeiro de 2010
A Perfeita Liberdade de Espírito
Um espírito que toma consciência da discordância que sempre existe entre o que afirma e o que é verdadeiramente não pode mais desfazer-se de uma espécie de dúvida filosófica. Somos livres na medida em que conservamos um pensamento de fundo. Em todos os casos, a perfeita liberdade de espírito consiste em um ato pelo qual ele compreende a absoluta impossibilidade em que está de encontrar a certeza na experiência.
Jules Lagneau, em 'Curso Sobre o Juízo'
Jules Lagneau, em 'Curso Sobre o Juízo'
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
A Tempestade do Destino
Por vezes o destino é como uma pequena tempestade de areia que não pára de mudar de direção. Você muda de rumo, mas a tempestade de areia vai atrás de você. Você volta a mudar de direção, mas a tempestade persegue, seguindo no seu encalço. Isto acontece uma vez e outra e outra, como uma espécie de dança maldita com a morte ao amanhecer. Por quê? Porque esta tempestade não é uma coisa que tenha surgido do nada, sem nada que ver contigo. Esta tempestade é você. Algo que está dentro de você. Por isso, só lhe resta deixar levar, mergulhar na tempestade, fechando os olhos e tapando os ouvidos para não deixar entrar a areia e, passo a passo, atravessá-la de uma ponta a outra. Aqui não há lugar para o sol nem para a lua; a orientação e a noção de tempo são coisas que não fazem sentido. Existe apenas areia branca e fina, como ossos pulverizados, a rodopiar em direção ao céu. É uma tempestade de areia assim que deve imaginar.
(...) E não há maneira de escapar à violência da tempestade, a essa tempestade metafísica, simbólica. Não se iluda: por mais metafísica e simbólica que seja, rasgar-lhe-á a carne como mil navalhas de barba. O sangue de muita gente correrá, e o seu juntamente com ele. Um sangue vermelho, quente. Ficarás com as mãos cheias de sangue, do seu sangue e do sangue dos outros.
E quando a tempestade tiver passado, mal se lembrará de ter conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver. Nem sequer terá a certeza de a tormenta ter realmente chegado ao fim. Mas uma coisa é certa. Quando saíres da tempestade já não será a mesma pessoa. Só assim as tempestades fazem sentido.
Haruki Murakami, em 'Kafka à Beira-Mar'
(...) E não há maneira de escapar à violência da tempestade, a essa tempestade metafísica, simbólica. Não se iluda: por mais metafísica e simbólica que seja, rasgar-lhe-á a carne como mil navalhas de barba. O sangue de muita gente correrá, e o seu juntamente com ele. Um sangue vermelho, quente. Ficarás com as mãos cheias de sangue, do seu sangue e do sangue dos outros.
E quando a tempestade tiver passado, mal se lembrará de ter conseguido atravessá-la, de ter conseguido sobreviver. Nem sequer terá a certeza de a tormenta ter realmente chegado ao fim. Mas uma coisa é certa. Quando saíres da tempestade já não será a mesma pessoa. Só assim as tempestades fazem sentido.
Haruki Murakami, em 'Kafka à Beira-Mar'
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
A Saúde da Alma
A célebre forma de medicina moral (a de Aríston de Chios), a virtude é a saúde da alma, deveria ser pelo menos assim transformada para se tornar utilizável: A tua virtude é a saúde da tua alma. Porque em nós não existe qualquer saúde, e todas as experiências que se fizeram para dar este nome a qualquer coisa malograram-se miseravelmente. Importa que se conheça o seu objetivo, o seu horizonte, as suas forças, os seus impulsos, os seus erros e sobretudo o ideal e os fantasmas da sua alma para determinar o que significa a saúde, mesmo para o seu corpo. Existem, portanto, inúmeras saúdes do corpo; e quanto mais se permitir ao indivíduo, a quem não podemos comparar-nos, que levante a cabeça, mais se desaprenderá o dogma da igualdade dos homens, mais necessário será que os nossos médicos percam a noção de uma saúde normal, de uma dieta normal, de um curso normal da doença. Será só então que se poderá talvez refletir na saúde e na doença da alma e colocar a virtude particular de cada um nesta saúde, que corre muito o risco de ser num o contrário do que sucede com outro. Restará a grande questão de saber se podemos dispensar a doença, mesmo para desenvolver a nossa virtude, se, nomeadamente, a nossa sede de conhecer, e de nos conhecermos a nós próprios, não tem necessidade da nossa alma doente tanto como da nossa alma saudável, em resumo, se querer exclusivamente a nossa saúde não será um preconceito, uma covardia e talvez um resto de barbárie mais sutil e do espírito mais retrógado.
Friedrich Nietzsche, em 'A Gaia Ciência'
Friedrich Nietzsche, em 'A Gaia Ciência'
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
A Falácia das Convicções
O intelecto humano, quando assente numa convicção (ou por já bem aceite e acreditada ou porque o agrada), tudo arrasta para seu apoio e acordo. E ainda que em maior número, não observa a força das instâncias contrárias, despreza-as, ou, recorrendo a distinções, põe-nas de parte e rejeita, não sem grande e pernicioso prejuízo. Graças a isso, a autoridade daquelas primeiras afirmações permanece inviolada. E bem se houve aquele que, ante um quadro pendurado no templo, como ex-voto dos que se salvaram dos perigos de um naufrágio, instado a dizer se ainda se recusava a aí reconhecer a providência dos deuses, indagou por sua vez: “E onde estão pintados aqueles que, a despeito do seu voto, pereceram?” Essa é a base de praticamente toda a superstição, trate-se de astrologia, interpretação de sonhos, augúrios e que tais: encantados, os homens, com tal sorte de quimeras, marcam os eventos em que a predição se cumpre; quando falha o que é bem mais freqüente —, negligenciam-nos e passam adiante. Esse mal insinua-se de maneira muito mais sutil na filosofia e nas ciências. Nestas, o de início aceite tudo impregna e reduz o que segue. Até quando parece mais firme e aceitável. Mais ainda: mesmo não estando presentes essa complacência e falta de fundamento a que nos referimos, o intelecto humano tem o erro peculiar e perpétuo de mais se mover e excitar pelos eventos afirmativos que pelos negativos, quando deveria rigorosa e sistematicamente atentar para ambos. Vamos mais longe: na constituição de todo axioma verdadeiro, têm mais força as instâncias negativas.
Francis Bacon, em "Novum Organum - Livro I (XLVI)"
Francis Bacon, em "Novum Organum - Livro I (XLVI)"
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
A Morte e o Sexo
Uma das comparações mais estranhas que eu já vi!rsrsrsrsrsrs
A vida nos dá indicações sob várias formas de que a morte não deveria nos assustar, pelo contrário, que é agradável. O sono nos é dado como um protótipo da morte, e lutamos por ele todas as noites, que nos dá o maior esquecimento da vida. Não tememos o esquecimento; nós o desejamos porque nos dá paz.
O sexo também nos sugere como será agradável a morte, mas não prestamos atenção. Se pudéssemos morrer duas vezes, então talvez não receássemos a segunda vez. Tal como uma virgem receia a dor causada pela introdução do pénis, mas sente prazer da segunda vez e fica cheia de vontade de sexo e ansiosa por isso, não prestando atenção à insignificância da dor comparada com o prazer que recebe.
Por isso só temos uma morte, para que ao percebermos o seu encanto da primeira vez, não nos sentíssemos mais poderosamente atraídos por ela do que pela vida. Deus não seria capaz de nos manter vivos, como não foi capaz de nos manter na inocência, e estaríamos continuamente a lutar por nos sucidarmos.
O sexo nos é dado como uma substituição para a morte múltipla. Depois de nos restabelecermos de uma morte doce, ficamos cheios de vontade de a experimentar outra vez.
Alexander Puschkine, em 'Diário Secreto'(Só podia ser secreto mesmo!rs)
A vida nos dá indicações sob várias formas de que a morte não deveria nos assustar, pelo contrário, que é agradável. O sono nos é dado como um protótipo da morte, e lutamos por ele todas as noites, que nos dá o maior esquecimento da vida. Não tememos o esquecimento; nós o desejamos porque nos dá paz.
O sexo também nos sugere como será agradável a morte, mas não prestamos atenção. Se pudéssemos morrer duas vezes, então talvez não receássemos a segunda vez. Tal como uma virgem receia a dor causada pela introdução do pénis, mas sente prazer da segunda vez e fica cheia de vontade de sexo e ansiosa por isso, não prestando atenção à insignificância da dor comparada com o prazer que recebe.
Por isso só temos uma morte, para que ao percebermos o seu encanto da primeira vez, não nos sentíssemos mais poderosamente atraídos por ela do que pela vida. Deus não seria capaz de nos manter vivos, como não foi capaz de nos manter na inocência, e estaríamos continuamente a lutar por nos sucidarmos.
O sexo nos é dado como uma substituição para a morte múltipla. Depois de nos restabelecermos de uma morte doce, ficamos cheios de vontade de a experimentar outra vez.
Alexander Puschkine, em 'Diário Secreto'(Só podia ser secreto mesmo!rs)
domingo, 3 de janeiro de 2010
Aprender a Morrer para Saber Viver
Diz Cícero que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte. Isso porque de certa forma o estudo e a contemplação retiram a nossa alma para fora de nós e ocupam-na longe do corpo, o que é um certo aprendizado e representação da morte; ou então porque toda a sabedoria e discernimento do mundo se resolvem por fim no ponto de nos ensinarem a não termos medo de morrer. Na verdade, ou a razão se abstém ou ela deve visar apenas o nosso contentamento, e todo o seu trabalho deve ter como objetivo, em suma, fazer-nos viver bem e ao nosso gosto, como dizem as Santas Escrituras. Todas as opiniões do mundo coincidem em que o prazer é a nossa meta, embora adotem meios diferentes para isso; de outra forma as rejeitaríamos logo de início, pois quem escutaria alguém que estabelecesse como fim o nosso penar e descontentamento?
Michel de Montaigne, em 'Ensaios'
Michel de Montaigne, em 'Ensaios'
sábado, 2 de janeiro de 2010
Virada
Não sei o que falar esse início de ano cheio de acontecimentos desagradáveis aqui no Rio de Janeiro. Quero prestar meus sentimentos às pessoas que perderam sua família e seus amigos nesses desastres em Angra e aqui no Rio mesmo. Que Deus dê a calma e a paz àqueles que se foram e aos que ficaram aqui cheios de burocracia para resolver em uma hora tão difícil.
O estranho é que se fosse em outro Estado, o Rio de Janeiro, do governo à população, iria mandar ajuda aos desabrigados pelas chuvas. Mas foi aqui mesmo, vamos ver se a ajuda vai chegar.
Enquanto isso várias pessoas estão desabrigadas e outras várias curtindo a ressaca da festa de Copacabana. E ainda ouço uma reporter da Globo após dar a notícia na tv dos mortos dizer com a sutileza de um mamute: É, mas a vida continua, vamos às notícias da festa em Copacabana!
Vamos ver o que vai mudar esse ano...
O estranho é que se fosse em outro Estado, o Rio de Janeiro, do governo à população, iria mandar ajuda aos desabrigados pelas chuvas. Mas foi aqui mesmo, vamos ver se a ajuda vai chegar.
Enquanto isso várias pessoas estão desabrigadas e outras várias curtindo a ressaca da festa de Copacabana. E ainda ouço uma reporter da Globo após dar a notícia na tv dos mortos dizer com a sutileza de um mamute: É, mas a vida continua, vamos às notícias da festa em Copacabana!
Vamos ver o que vai mudar esse ano...
Mente Estável e Mente Instável
O homem capaz de sacrificar de ânimo leve um hábito mental há muito tempo formado constitui uma exceção. A grande maioria dos seres humanos não gosta e, na realidade, até detesta todas as noções com as quais não estão familiarizados. Trotter, no seu admirável Instincts of the Herd in Peace and War, chamou-lhes de "mente estável" e colocou em oposição a eles uma minoria de "pessoas de mente instável", apaixonados pela inovação em si própria.
A tendência do homem de mente estável, quer seja introvertido ou extrovertido, visionário ou não visionário, será sempre para verificar que "aquilo que está, está certo". Menos sujeito aos hábitos de raciocínio formados na mocidade, os de mente instável naturalmente que sentem prazer em tudo o que é novo e revolucionário. É aos de mente instável que devemos o progresso em todas as suas formas, assim como todas as formas de revolução destrutiva. Os de mente estável, devido à sua relutância em aceitar modificações, dão à estrutura social a sua sólida durabilidade. Há no mundo muito mais gente de mente estável que instável (se as proporções fossem trocadas viveríamos em um caos); mas em todos menos em alguns momentos muito excepcionais, eles possuem o poder e a riqueza mais do que proporcional ao seu número. Daí resulta que, ao aparecerem pela primeira vez, os inovadores foram geralmente perseguidos e sempre escarnecidos como lunáticos e loucos.
Um herético, de acordo com a admirável definição de Bossuet, é aquele que emite uma opinião singular - quer dizer, uma opinião sua, em oposição a uma que já foi consagrada pela aceitação geral. Que se trata de um patife, não é preciso dizer. É também um imbecil - um cão e um demónio, no dizer de São paulo, que profere baboseiras vãs e profanas. Nenhum herético ( e a ortodoxia de que ele se afasta não tem necessariamente de ser uma ortodoxia religiosa; pode ser filosófica, ética, artística, económica); nenhum autor de opiniões singulares é alguma vez razoável aos olhos da maioria dos de mente estabilizada. Porque o razoável é o familiar, é aquilo que os de mente estável estão no hábito de pensar no momento em que o herege profere a sua opinião singular. Usar a inteligência de qualquer outro modo que não seja o habitual não é usar a inteligência; é ser irracional, delirar como um louco.
Aldous Huxley, um "Sobre a Democracia e Outros Estudos"
A tendência do homem de mente estável, quer seja introvertido ou extrovertido, visionário ou não visionário, será sempre para verificar que "aquilo que está, está certo". Menos sujeito aos hábitos de raciocínio formados na mocidade, os de mente instável naturalmente que sentem prazer em tudo o que é novo e revolucionário. É aos de mente instável que devemos o progresso em todas as suas formas, assim como todas as formas de revolução destrutiva. Os de mente estável, devido à sua relutância em aceitar modificações, dão à estrutura social a sua sólida durabilidade. Há no mundo muito mais gente de mente estável que instável (se as proporções fossem trocadas viveríamos em um caos); mas em todos menos em alguns momentos muito excepcionais, eles possuem o poder e a riqueza mais do que proporcional ao seu número. Daí resulta que, ao aparecerem pela primeira vez, os inovadores foram geralmente perseguidos e sempre escarnecidos como lunáticos e loucos.
Um herético, de acordo com a admirável definição de Bossuet, é aquele que emite uma opinião singular - quer dizer, uma opinião sua, em oposição a uma que já foi consagrada pela aceitação geral. Que se trata de um patife, não é preciso dizer. É também um imbecil - um cão e um demónio, no dizer de São paulo, que profere baboseiras vãs e profanas. Nenhum herético ( e a ortodoxia de que ele se afasta não tem necessariamente de ser uma ortodoxia religiosa; pode ser filosófica, ética, artística, económica); nenhum autor de opiniões singulares é alguma vez razoável aos olhos da maioria dos de mente estabilizada. Porque o razoável é o familiar, é aquilo que os de mente estável estão no hábito de pensar no momento em que o herege profere a sua opinião singular. Usar a inteligência de qualquer outro modo que não seja o habitual não é usar a inteligência; é ser irracional, delirar como um louco.
Aldous Huxley, um "Sobre a Democracia e Outros Estudos"
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
A Alegoria da Caverna
Um dia tão especial merece uma das melhores reflexões que já tive oportunidade de ler!
"- Imagina agora o estado da natureza humana com respeito à ciência e à ignorância, conforme o quadro que dele vou esboçar.
Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura uma abertura por onde entra livremente a luz e, nessa caverna, homens agrilhoados desde a infância, de tal modo que não possam mudar de lugar nem volver a cabeça devido às cadeias que lhes prendem as pernas e o tronco, podendo somente ver aquilo que se encontra diante deles. Nas suas costas, a certa distância e a certa altura, existe um fogo cujo fulgor os ilumina, e entre esse fogo e os prisioneiros depara-se um caminho dificilmente acessível. Ao lado desse caminho, imagina uma parede semelhante a esses tapumes que os charlatães de feita colocam entre si e os espectadores para esconder destes o jogo e os truques secretos das maravilhas que exibem.
- Estou a imaginar tudo isso.
- Imagina homens que passem para além da parede, carregando objetos de todas as espécies ou pedra, figuras de homens e animais de madeira ou de pedra, de tal modo que tudo isso apareça por cima do muro. Os que tal transportam, ou falam uns com os outros, ou passam em silêncio.
- Estranho quadro e estranhos prisioneiros!
- E, no entanto, são ponto por ponto tal qual como nós. Em primeiro lugar, julgas que percepcionarão outra coisa, de si mesmos e dos que se encontram a seu lado, além das sombras que na sua frente se produzem, no fundo da caverna?
- Que outra coisa poderão ver, pois que, desde o nascimento, foram compelidos a conservar a cabeça permanentemente imóvel?
- Verão, apesar disso, outras coisas além dos objetos que passam à sua retaguarda?
- Não.
- Se pudessem conversar uns com os outros, não concordariam em dar às sombras que vêem os nomes dessas mesmas coisas?
- Sem dúvida.
- E se no fundo da sua prisão houvesse eco que repetisse as palavras daqueles que passam, não imaginariam que ouviam falar as sombras mesmas que desfilam diante dos seus olhos?
- Sim.
- E, por fim, não julgariam eles que nada existiria de real além das sombras?
- Não há dúvida.
- Pensa agora naquilo que naturalmente lhes aconteceria se fossem libertados das suas cadeias e se fossem elucidados acerca do erro em que estavam. Liberte-se um desses cativos, e que ele seja obrigado a levantar-se imediatamente, a voltar a cabeça, a andar e a enfrentar a luz: nada disso poderá fazer sem grande esforço; a luz encandear-lhe-á a vista e o deslumbramento produzido impedi-lo-á de distinguir os objetos cujas sombras via antes. Que julgas tu que responderia se lhe dissessem que até então apenas vira fantasmas e que agora tem ante os olhos objetos mais reais e mais próximos da verdade? Se lhe mostrarem imediatamente as coisas à medida que se forem apresentando, e se for obrigado, à força de perguntas, a dizer o que é cada uma delas, não ficará perplexo e não julgará que aquilo que antes via era mais real do que aquilo que agora se lhe apresenta?
- Sem dúvida.
- E se o obrigassem a enfrentar o fogo, não adoeceria dos olhos? Não desviaria os seus olhares, para dirigi-los para a sombra, que enfrenta sem dificuldade? Não julgaria que essa sombra possui algo de mais claro e distinto do que tudo quanto se lhe mostra?
- Certamente.
- Se agora o arrancarmos da caverna e o arrastarmos, pela senda áspera e fragosa, até à claridade do Sol, que suplício o seu por ser assim arrastado! Como está furioso! E, uma vez chegado à luz livre, os olhos ofuscados com o fulgor dela, poderia ver alguma coisa da multiplicidade de objetos a que chamamos seres reais?
- De início ser-lhe-ia impossível.
- Necessitaria de tempo, sem dúvida, para se acostumar a eles. Aquilo que distinguiria melhor seria, em primeiro lugar, as sombras; e, logo a seguir, as imagens dos homens e dos mais objetos, refletidos à superfície das águas; por fim, os próprios objetos. Daí volveria os olhos para o céu, cuja visão suportaria com maior facilidade durante a noite, à luz da Lua e das estrelas, do que durante o dia, à luz do Sol.
- Sem dúvida.
- Por fim, encontrar-se-ia em condições, não só de ver a imagem do Sol nas águas e em tudo aquilo em que se reflita, como de olhá-lo e contemplar o verdadeiro Sol no seu verdadeiro local.
- Sim.
- Depois disto, pondo-se a refletir, chegaria à conclusão de que o Sol é o que determina as estações e os anos, e o que rege todo o mundo visível e que, de certo modo, é causa daquilo que se via na caverna.
- É evidente que chegaria gradualmente a tais reflexões.
- E se, então, se recordasse da sua primeira habitação e da ideia que aí formavam da sabedoria, ele e os seus companheiros de escravidão, não se regozijaria com a mudança e não teria compaixão da desgraça daqueles que permaneciam cativos?
- Certamente.
- Crês tu que agora ele sentisse ciúmes das honras, das vaidades e recompensas ali outorgadas àquele que mais rapidamente captasse as sombras, àquele que com maior segurança recordasse as que iam atrás ou juntas e por tal razão seria o mais hábil em prever a sua aparição, ou que invejasse a condição daqueles que na prisão eram mais poderosos e mais honrados? Não preferiria, como Aquiles, segundo Homero, passar a vida ao serviço de um pobre lavrador e sofrê-lo, a voltar ao seu primeiro estado e às suas primitivas ilusões?
- Não duvido de que preferiria suportar todos os males possíveis a voltar a viver de tal modo.
- Atenta, pois, nisto: se regressasse novamente à sua prisão, para voltar a ocupar nela o seu antigo posto, não se acharia como um cego, na súbita passagem da luz do dia para a obscuridade?
- Sim.
- E se, no entanto, ainda não distinguisse nada e, antes que os seus olhos se houvessem refeito, o que apenas poderia acontecer depois de muito tempo, tivesse de discutir com os mais prisioneiros sobre essas sombras, não se tornaria ridículo aos olhos dos outros, que diriam dele que, por ter subido até lá acima, perdera a vista, acrescentando que seria uma loucura o eles pretenderem sair do lugar onde se encontravam, e que, se alguém se lembrasse de tirá-los dali e levá-los para a região superior, se tornaria necessário prendê-lo e matá-lo?
- Indiscutivelmente.
- Pois, meu querido Glauco, é essa, precisamente, a imagem da condição humana. A caverna subterrânea é este mundo visível; o fogo que a ilumina, a luz do Sol; o prisioneiro que ascende à região superior e a contempla é a alma que se eleva até à esfera do inteligível. É isto, pelo menos, o que penso, já que o queres conhecer, mas só Deus sabe se é certo. Pelo que me toca, a coisa afigura-se-me tal como te vou comunicar. Nos últimos limites do mundo inteligível encontra-se a ideia do bem, que só com dificuldade se percebe, mas que, todavia, não pode ser percebida sem que se conclua que ela é a causa primeira de quanto há de bom e de belo no universo; que ela, neste mundo visível, produz a luz e o astro do qual a luz irradia diretamente; que, no mundo visível, engendra a verdade e a inteligência; que é preciso, enfim, ter os olhos fitos nessa ideia, se quisermos conduzir-nos honestamente na vida pública e privada.
- Na medida em que pude compreender a tua ideia, concordo contigo.
- Tens, pois, de admitir e não estranhar que aqueles que alcançaram essa sublime contemplação desdenhem da intervenção nos assuntos humanos e que as suas almas aspirem, incessantemente, a fixar-se nesse lugar eminente. Assim deve ser, se isto está em conformidade com a pintura alegórica que esbocei.
- Assim deve ser."
Platão, em 'República'
"- Imagina agora o estado da natureza humana com respeito à ciência e à ignorância, conforme o quadro que dele vou esboçar.
Imagina uma caverna subterrânea que tem a toda a sua largura uma abertura por onde entra livremente a luz e, nessa caverna, homens agrilhoados desde a infância, de tal modo que não possam mudar de lugar nem volver a cabeça devido às cadeias que lhes prendem as pernas e o tronco, podendo somente ver aquilo que se encontra diante deles. Nas suas costas, a certa distância e a certa altura, existe um fogo cujo fulgor os ilumina, e entre esse fogo e os prisioneiros depara-se um caminho dificilmente acessível. Ao lado desse caminho, imagina uma parede semelhante a esses tapumes que os charlatães de feita colocam entre si e os espectadores para esconder destes o jogo e os truques secretos das maravilhas que exibem.
- Estou a imaginar tudo isso.
- Imagina homens que passem para além da parede, carregando objetos de todas as espécies ou pedra, figuras de homens e animais de madeira ou de pedra, de tal modo que tudo isso apareça por cima do muro. Os que tal transportam, ou falam uns com os outros, ou passam em silêncio.
- Estranho quadro e estranhos prisioneiros!
- E, no entanto, são ponto por ponto tal qual como nós. Em primeiro lugar, julgas que percepcionarão outra coisa, de si mesmos e dos que se encontram a seu lado, além das sombras que na sua frente se produzem, no fundo da caverna?
- Que outra coisa poderão ver, pois que, desde o nascimento, foram compelidos a conservar a cabeça permanentemente imóvel?
- Verão, apesar disso, outras coisas além dos objetos que passam à sua retaguarda?
- Não.
- Se pudessem conversar uns com os outros, não concordariam em dar às sombras que vêem os nomes dessas mesmas coisas?
- Sem dúvida.
- E se no fundo da sua prisão houvesse eco que repetisse as palavras daqueles que passam, não imaginariam que ouviam falar as sombras mesmas que desfilam diante dos seus olhos?
- Sim.
- E, por fim, não julgariam eles que nada existiria de real além das sombras?
- Não há dúvida.
- Pensa agora naquilo que naturalmente lhes aconteceria se fossem libertados das suas cadeias e se fossem elucidados acerca do erro em que estavam. Liberte-se um desses cativos, e que ele seja obrigado a levantar-se imediatamente, a voltar a cabeça, a andar e a enfrentar a luz: nada disso poderá fazer sem grande esforço; a luz encandear-lhe-á a vista e o deslumbramento produzido impedi-lo-á de distinguir os objetos cujas sombras via antes. Que julgas tu que responderia se lhe dissessem que até então apenas vira fantasmas e que agora tem ante os olhos objetos mais reais e mais próximos da verdade? Se lhe mostrarem imediatamente as coisas à medida que se forem apresentando, e se for obrigado, à força de perguntas, a dizer o que é cada uma delas, não ficará perplexo e não julgará que aquilo que antes via era mais real do que aquilo que agora se lhe apresenta?
- Sem dúvida.
- E se o obrigassem a enfrentar o fogo, não adoeceria dos olhos? Não desviaria os seus olhares, para dirigi-los para a sombra, que enfrenta sem dificuldade? Não julgaria que essa sombra possui algo de mais claro e distinto do que tudo quanto se lhe mostra?
- Certamente.
- Se agora o arrancarmos da caverna e o arrastarmos, pela senda áspera e fragosa, até à claridade do Sol, que suplício o seu por ser assim arrastado! Como está furioso! E, uma vez chegado à luz livre, os olhos ofuscados com o fulgor dela, poderia ver alguma coisa da multiplicidade de objetos a que chamamos seres reais?
- De início ser-lhe-ia impossível.
- Necessitaria de tempo, sem dúvida, para se acostumar a eles. Aquilo que distinguiria melhor seria, em primeiro lugar, as sombras; e, logo a seguir, as imagens dos homens e dos mais objetos, refletidos à superfície das águas; por fim, os próprios objetos. Daí volveria os olhos para o céu, cuja visão suportaria com maior facilidade durante a noite, à luz da Lua e das estrelas, do que durante o dia, à luz do Sol.
- Sem dúvida.
- Por fim, encontrar-se-ia em condições, não só de ver a imagem do Sol nas águas e em tudo aquilo em que se reflita, como de olhá-lo e contemplar o verdadeiro Sol no seu verdadeiro local.
- Sim.
- Depois disto, pondo-se a refletir, chegaria à conclusão de que o Sol é o que determina as estações e os anos, e o que rege todo o mundo visível e que, de certo modo, é causa daquilo que se via na caverna.
- É evidente que chegaria gradualmente a tais reflexões.
- E se, então, se recordasse da sua primeira habitação e da ideia que aí formavam da sabedoria, ele e os seus companheiros de escravidão, não se regozijaria com a mudança e não teria compaixão da desgraça daqueles que permaneciam cativos?
- Certamente.
- Crês tu que agora ele sentisse ciúmes das honras, das vaidades e recompensas ali outorgadas àquele que mais rapidamente captasse as sombras, àquele que com maior segurança recordasse as que iam atrás ou juntas e por tal razão seria o mais hábil em prever a sua aparição, ou que invejasse a condição daqueles que na prisão eram mais poderosos e mais honrados? Não preferiria, como Aquiles, segundo Homero, passar a vida ao serviço de um pobre lavrador e sofrê-lo, a voltar ao seu primeiro estado e às suas primitivas ilusões?
- Não duvido de que preferiria suportar todos os males possíveis a voltar a viver de tal modo.
- Atenta, pois, nisto: se regressasse novamente à sua prisão, para voltar a ocupar nela o seu antigo posto, não se acharia como um cego, na súbita passagem da luz do dia para a obscuridade?
- Sim.
- E se, no entanto, ainda não distinguisse nada e, antes que os seus olhos se houvessem refeito, o que apenas poderia acontecer depois de muito tempo, tivesse de discutir com os mais prisioneiros sobre essas sombras, não se tornaria ridículo aos olhos dos outros, que diriam dele que, por ter subido até lá acima, perdera a vista, acrescentando que seria uma loucura o eles pretenderem sair do lugar onde se encontravam, e que, se alguém se lembrasse de tirá-los dali e levá-los para a região superior, se tornaria necessário prendê-lo e matá-lo?
- Indiscutivelmente.
- Pois, meu querido Glauco, é essa, precisamente, a imagem da condição humana. A caverna subterrânea é este mundo visível; o fogo que a ilumina, a luz do Sol; o prisioneiro que ascende à região superior e a contempla é a alma que se eleva até à esfera do inteligível. É isto, pelo menos, o que penso, já que o queres conhecer, mas só Deus sabe se é certo. Pelo que me toca, a coisa afigura-se-me tal como te vou comunicar. Nos últimos limites do mundo inteligível encontra-se a ideia do bem, que só com dificuldade se percebe, mas que, todavia, não pode ser percebida sem que se conclua que ela é a causa primeira de quanto há de bom e de belo no universo; que ela, neste mundo visível, produz a luz e o astro do qual a luz irradia diretamente; que, no mundo visível, engendra a verdade e a inteligência; que é preciso, enfim, ter os olhos fitos nessa ideia, se quisermos conduzir-nos honestamente na vida pública e privada.
- Na medida em que pude compreender a tua ideia, concordo contigo.
- Tens, pois, de admitir e não estranhar que aqueles que alcançaram essa sublime contemplação desdenhem da intervenção nos assuntos humanos e que as suas almas aspirem, incessantemente, a fixar-se nesse lugar eminente. Assim deve ser, se isto está em conformidade com a pintura alegórica que esbocei.
- Assim deve ser."
Platão, em 'República'
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