Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!
Sou um estrangeiro neste mundo!
Mi estas fremdulo kaj en la fremdeco estas kruela soleco, doloriga tedo; sed ĝi igas min pensadi pri ĉarma patrio, kiun mi ne konas, kaj plenigas miajn revojn je bildoj de lando malproksimega, kiun miaj okuloj ankoraŭ ne vidis.
Sou um estrangeiro e por isso minha vida é uma solidão cruel, tédio doloroso que me obriga a pensar numa pátria encantadora, que eu não conheço, mas que enche os meus sonhos, povoando-me a imaginação de imagens de um país distante, que meus olhos ainda não viram.
Mi estas fremda al mia parencaro kaj al miaj amikoj. Kiam mi renkontas iun el ili, mi diras al mi mem: " Kiu estas tiu ĉi? Kiel mi lin ekkonis, kia tradicio kunigis min kun li, kial mi al li alproksimiĝas, kaj kial mi sidas ĉe li?
Sou um estranho para meus parentes e amigos. Quando encontro um deles, digo a mim mesmo: "Quem é este? Como o conheci, que tradição me uniu a ele? Por que dele me aproximo e por que junto dele me assento?
Mi estas fremda al mi mem: kiam mi ekaŭdas la parolon de mia lango, miaj oreloj trovas stranga mian voĉon. Mi vidas mian kaŝitan personeco ridanta kaj ploranta, kuraĝa kaj timema; mia estado admiras miam estadon, kaj mian spiriton deĉifras la spirito mia, sed mi restadas malkonata, malmontrata per nebulo, forkaŝitan de l' silento.
Sou estranho a mim mesmo: quando ouço as palavras de minha língua, meus ouvidos acham estranha a minha voz. Vejo minha oculta personalidade rindo e chorando, corajosa e medrosa; meu ser admira o meu ser e o meu espírito decifra o meu espírito, mas eu continuo desconhecido, encoberto pela névoa, oculto, ao longe, pelo silêncio.
Mi estas fremda al mia korpo: kiam mi staras antaŭ la spegulo, ĉiam mi vidas en mia vizaĝo tion, kion mia animo ne sentas, kaj mi trovas en miaj okuloj tion, kion la profundoj de mia estaĵo ne enkaŝas. Mi laŭiras la stratojn de l'urbo kaj min sekvas la junuloj, kriante: " Jen la blindulo; ni donu al li bastonon por ke li sin apogu per ĝi". Kaj mi foriras de ili rapidante.
Sou estranho ao meu corpo: quando me contemplo frente ao espelho, sempre vejo em meu rosto aquilo que minha alma não sente e acho nos meus olhos aquilo que as profundezas de meu ser não ocultam. Eu acompanho a estrada da cidade e os jovens me seguem gritando: " Eis um cego; demos-lhe uma bengala para que ele se apoie." E eu me afasto deles rapidamente.
Poste mi renkontas aron da knabinoj, kiuj ekprenas min je la vesto, dirante: "Li estas surda kiel ŝtono; ni plenigu liajn orelojn je l' melodio de la flirto". Kaj mi forlasas ilin dekurante.
Depois encontro um grupo de meninas que me puxam pelas vestes, dizendo: Ele é surdo como a pedra; enchamos seus ouvidos com a melodia do flerte". E eu as abandono, correndo.
Poste mi renkontas grupon da plenaĝuloj, kiuj stariĝas ĉirkaŭ mi, dirante: "Ni rektigu la kurbecon de lia lango, ĉar li estas muta, kiel tombo"; kaj mi deiras de ili, timante.
Depois encontro um grupo de adultos que se estabelecem próximo a mim, dizendo: "Desencurvemos sua língua, porque ele é mudo como um túmulo"; e eu me desvio deles, temendo.
Kaj poste mi renkontas grupeton de maljunuloj, kiuj indikas al mi per fingroj tremetantaj kaj diras:" Li estas frenezulo forperdinta sian prudenton".
E depois encontro um grupinho de idosos que me apontam com os dedos tremendo e dizem: "Ele é um louco que perdeu a prudência".
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!
Sou um estrangeiro neste mundo!
Mi estas frendulo, ĉar mi travojaĝis Orienton kaj Okcidenton kaj ne trovis mian landon, nek renkontis iun, kiu min konas nek kiun aŭskultis pri mi.
Sou um estrangeiro porque viajei pelo Oriente e pelo Ocidente e não encontrei meu país, nem encontrei alguém que me conhecesse nem que tenha escutado algo ao meu respeito.
Mi vekiĝas matene kaj trovas min mallibera en senluma kaverno de kies plafono dependas serpentoj kaj ĉe kies anguloj abundas insektoj.
Acordo de manhã e encontro-me preso em uma escura caverna, com serpentes a pender do teto e insetos em todos os seus ângulos.
Poste mi aliras al la lumo, sekvate de l' ombro de mia korpo, sed la ombroj de mia animo iradas antaŭe de mi tien, kie mi ne scias; ili priserĉas aferojn, kiujn mi ne komprenas kaj tenas objektojn de mi nebezonatajn.
Depois dirijo-me para a luz, acompanhado pela sombra de meu corpo, mas as sombras de minha alma seguem , lá, a minha frente, onde não conheço; Elas revistam as coisas que eu não compreendo e sustentam objetos que me são desnecessários.
Kaj kiam vesperiĝas, mi revenas kaj rekuŝigas min sur matracon elfaritan el strutaj plumoj kaj dornaĉoj. Tiam strangaj pensoj min ekposedas, kaj transprenas min inklinoj ĉagrenaj, ĝojigaj, dolorigaj, agrablaj.
E quando anoitece, volto e novamente me deito sobre o colchão feito de pena de avestruz e como se ele fosse feito de espinhos. Então estranhos pensamentos se apossam de mim: inclinações penosas, alegres, dolorosas e agradáveis.
Je l' noktomezo envenas al mi, el tra la fendaĵoj de l' kaverno, fantomoj de praaj tempoj kaj spiritoj de jam fogesitaj nacioj. Mi ilin fikse rigardas kaj ili min ankaŭ rigardas fikse; mi alparolas ilin demandante, kaj ili respondas min ridetante.
À meia noite vêm a mim, através das fendas da caverna,fantasmas dos tempos antigos e espíritos de nações já esquecidas. Olho-os fixamente e eles também me olham assim; Dirijo-me a eles com perguntas e eles me respondem sorrindo.
Poste mi intencas preni ilin, sed ili eknevidebliĝas kaj neniiĝas kiel fumo.
Depois me vem a intenção de toca-los, mas eles se tornam invisíveis e se desvanecem como fumaça.
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!
Sou estrangeiro neste mundo!
Mi estas fremdulo kaj ne ekzistas iu, kiu scipovas eĉ unu vorto el la lingvo de mia animo.
Sou estrangeiro e não existe alguém que saiba até mesmo uma palavra da língua de minha alma.
Mi iras tra la dezerto kaj mi vidas riverojn suprenirantajn el la profundaĵoj de l' valo al la montosupro. Mi vidas, ke nudaj arboj sin kovras, belaspektiĝas, ekfruktas kaj disigas sian foliaron en unu minuto, kaj poste, ke ties branĉoj defalas sur la herbetaron kaj iĝas serpentoj tremantaj. Mi vidas la birdarojn deflugantaj, alteniĝantaj, malsupreniĝantaj, ĝoje kantantaj kaj ululantaj. Mi vidas, ke poste ili haltas kaj, malferminte la flugilojn, ili fariĝas nudaj knabinoj kun longaj, delasitaj hararoj kaj etenditaj koloj kiuj rigardas min el palpebroj ombrumitaj per amo, ridetas al mi per lipoj rozecaj, ŝmiritaj per mielo, kaj etendas al mi manojn blankajn, delikatajn, parfumitajn per olibano.
Eu caminho através do deserto e vejo rios subindo das profundezas do vale para cima do monte. Vejo que árvores nuas se cobrem de folhagem , no mais belo aspecto , e se frutificam em um minuto, e depois que esses ramos caem sobre a relva e se transformam em trêmulas serpentes. Vejo pássaros voando para o alto e para baixo, cantando alegremente e lamentando. Vejo que depois eles param e, abrindo as asas, tornam-se meninas nuas com longos e soltos cabelos e pescoços estendidos, que me observavam com palpebras sombreadas pelo amor; sorrindo para mim com os lábios rosados, borrifados pelo mel, e estendendo-me brancas mãos, delicadas, perfumadas pelo olíbano
Poste, ekskuiĝante, ili malaperas for de mia vidado, kaj neniiĝas kvazaŭ nebulo, postlasante en la spaco la ehon de sia ridado kaj mokado pri mi.
Depois, tremulamente, desaparecem se afastando da minha vista, e se desfazem como névoa, deixando no espaço o eco de suas risadas a zombar de mim.
Mi estas fremdulo en ĉi tiu mondo!Sou estrangeiro neste mundo!
Mi estas poeto kiu versigas tion, kion la vivo proze verkas, kaj prozigas kion ĝi verse komponas.
Sou poeta que versifica aquilo que a vida escreve em prosa e faz em prosa aquilo que ela compõe em versos.
Tial mi estas fremdulo, kaj mi restados fremda ĝis la morto min prenos kaj transportos al mia patrio.
Por isso sou um estrangeiro, e permanecerei estrangeiro até a morte me tomar e me tranportar a minha pátria.
Ĝ. Ĥalil' Ĝibran' - Rakontoj kaj Poemoj
Gibran Khalil Gibran - Contos e Poemas
Tradução do árabe para o esperanto pelo esperantista Georgo Abraĥam
Tradução do esperanto para o português pela esperantista Mary(eu!rs)
Mostrando postagens com marcador Gibran Khalil. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Gibran Khalil. Mostrar todas as postagens
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Dos Mártires das Leis do Homem
És dos que nasceram no berço da tristeza e foram criados no colo do infortúnio e na casa da opressão? Estarás mastigando uma côdea endurecida, que tens de humedecer com tuas lágrimas? Estarás bebendo da água turva à qual se misturam sangue e lágrimas?
És um soldado compelido pela dura lei dos homens a abandonar mulher e filhos, e atirar-se ao campo de batalha a serviço da Ambição que seus líderes chamam erradamente de Dever?
És um poeta satisfeito com tuas migalhas da vida, feliz em dispor de pergaminho e tinta, acampado em tua terra como se foras um estrangeiro, e desconhecido por teus compatriotas?
És um priosineiro, encarcerado em masmorra escura por alguma ofensa insignificante, e condenado por aqueles que procuram reformar o homem corrompendo-o?
És como a jovem a quem Deus concedeu a beleza, mas que descaiu vítima da volúpia ordinária do rico, que a enganou e comprou seu corpo, mas não seu coração, e abandonou ao infortúnio e a todas as dificuldades?
Se és um dentre esses, és um mártir da lei dos homens. Vives na miséria e tua miserabilidade é o fruto da iniquidade do forte e da injustiça do tirano, da brutalidade do rico e do egoísmo do libidinoso e do ambicioso.
Posso confortá-vos, caros desamparados, assegurando que há um Grande Poder por trás e além desse mundo de matéria, um poder que é todo Justiça, Perdão, Piedade e Amor.
Sois como uma flor que cresce na sombra; vem a brisa suave e espalha vossas sementes à luz do sol, por onde vos expandireis de novo em beleza.
Sois como a árvore nua curvada sob a neve do inverno; a primavera virá e espalhará seus mantos de verdura sobre vós; e a verdade descobrirá o véu de lágrimas que esconde vosso sorriso.
Eu vos tomarei sob minha proteção, meus irmãos aflitos, eu vos amo e desprezo vossos opressores.
Gibran Kahlil - A Voz do Mestre
És um soldado compelido pela dura lei dos homens a abandonar mulher e filhos, e atirar-se ao campo de batalha a serviço da Ambição que seus líderes chamam erradamente de Dever?
És um poeta satisfeito com tuas migalhas da vida, feliz em dispor de pergaminho e tinta, acampado em tua terra como se foras um estrangeiro, e desconhecido por teus compatriotas?
És um priosineiro, encarcerado em masmorra escura por alguma ofensa insignificante, e condenado por aqueles que procuram reformar o homem corrompendo-o?
És como a jovem a quem Deus concedeu a beleza, mas que descaiu vítima da volúpia ordinária do rico, que a enganou e comprou seu corpo, mas não seu coração, e abandonou ao infortúnio e a todas as dificuldades?
Se és um dentre esses, és um mártir da lei dos homens. Vives na miséria e tua miserabilidade é o fruto da iniquidade do forte e da injustiça do tirano, da brutalidade do rico e do egoísmo do libidinoso e do ambicioso.
Posso confortá-vos, caros desamparados, assegurando que há um Grande Poder por trás e além desse mundo de matéria, um poder que é todo Justiça, Perdão, Piedade e Amor.
Sois como uma flor que cresce na sombra; vem a brisa suave e espalha vossas sementes à luz do sol, por onde vos expandireis de novo em beleza.
Sois como a árvore nua curvada sob a neve do inverno; a primavera virá e espalhará seus mantos de verdura sobre vós; e a verdade descobrirá o véu de lágrimas que esconde vosso sorriso.
Eu vos tomarei sob minha proteção, meus irmãos aflitos, eu vos amo e desprezo vossos opressores.
Gibran Kahlil - A Voz do Mestre
sábado, 16 de janeiro de 2010
Silento
"Silentu, koro mia, silentu ĝis la mateno, ĉar kiu pacience atendas la matenon, tiu la mateno trovos forta. Kaj kiu amas la lumon, tiun la lumo amas."
Silencia, meu coração; silencia até que chegue a manhã, porque aquele que espera, com paciência, pela manhã, esta o encontra forte. E quem a luz ama, é amado pela luz.
Gibran Kahlil, "Rakontoj kaj poemoj" (Inter Nokto kaj Mateno)
Gibran Kahlil, "Contos e Poemas" (Entre a noite e a Manhã)
Silencia, meu coração; silencia até que chegue a manhã, porque aquele que espera, com paciência, pela manhã, esta o encontra forte. E quem a luz ama, é amado pela luz.
Gibran Kahlil, "Rakontoj kaj poemoj" (Inter Nokto kaj Mateno)
Gibran Kahlil, "Contos e Poemas" (Entre a noite e a Manhã)
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Sonhos
Um homem teve um sonho intrigante e, ao acordar, foi a um adivinho pedindo-lhe que o decifrasse.
"traga-me os sonhos que tiver quando acordado"- disse o adivinho ao homem - "e eu lhe darei o significado. Porque os sonhos de seu sono não pertencem nem à minha sabedoria nem à sua imaginação."
Gibran Kahlil, em 'O Errante'
"traga-me os sonhos que tiver quando acordado"- disse o adivinho ao homem - "e eu lhe darei o significado. Porque os sonhos de seu sono não pertencem nem à minha sabedoria nem à sua imaginação."
Gibran Kahlil, em 'O Errante'
terça-feira, 29 de dezembro de 2009
"Morrer pela liberdade é mais nobre do que viver à sombra da débil submissão, pois aquele que abraça a morte com a espada da verdade na mão se eternizará com a eternidade da verdade,pois a vida é mais fraca que a morte,e a morte é mais fraca que a verdade".
Gibran Khalil, em 'MORTO ESTÁ MEU POVO'
***
MORTO ESTÁ MEU POVO
(escrito no exílio durante a fome na Síria)
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Meu povo se foi, mas eu ainda existo,
lamentando-o em minha solidão...
Mortos estão meus amigos,
e em sua morte minha vida nada é
senão um grande desastre.
As colinas de meu país estão submersas
em lágrimas e em sangue,
pois meu povo e meus seres amados se foram,
e eu estou aqui
vivendo como vivia quando meu povo e meus seres amados
estavam gozando a vida e a dádiva da vida,
e quando as colinas de meu país
estavam abençoadas
e mergulhadas na luz do Sol.
Meu povo morreu de fome
e os que não pereceram de inanição
foram massacrados pela espada.
E eu estou aqui, nesta terra distante,
vagando no meio de um povo alegre
que dorme sobre camas macias
e sorri para os dias,
enquanto os dias sorriem para as pessoas.
Meu povo morreu de uma morte sofrida e vergonhosa,
e aqui estou eu, vivendo na fartura e na paz...
Esta é a funda tragédia sempre encenada
sobre o palco de meu coração
Poucos se importariam em assistir a esse drama,
pois meu povo é como os pássaros
com asas quebradas, deixados para trás pelo bando.
Se eu estivesse esfaimado
e vivendo no meio do meu povo faminto,
e perseguido no meio de meus conterrâneos oprimidos,
o fardo dos dias negros seria mais leve
sobre meus sonhos inquietos,
e a escuridão da noite seria menos escura
diante de meus olhos ocos,
de meu coração em pranto, de minha alma ferida.
Pois aquele que compartilha
as dores e a agonia de seu povo
sentirá um conforto supremo,
criado somente pelo sofrimento no sacrifício.
E estará em paz consigo mesmo
quando morrer inocente com seus amigos inocentes.
Mas não estou vivendo com meu povo faminto e perseguido,
povo que caminha em procissão de morte rumo ao martírio...
Estou aqui, do outro lado do oceano largo,
vivendo à sombra da tranqüilidade
e ao brilho solar da paz...
Estou diante da arena terrível e dos desgraçados
e não posso me orgulhar,
nem sequer de minhas próprias lágrimas.
O que pode fazer um filho exilado por seu povo moribundo,
e qual o valor para este povo
da lamentação de um poeta ausente?
Se eu fosse uma espiga de trigo crescida na terra de meu país,
a criança faminta me arrancaria
e com meus grãos afastaria de sua alma
a mão da morte
Se eu fosse um fruto maduro no pomar de meu país,
a mulher esfomeada me colheria
e sustentaria sua vida.
Se eu fosse um pássaro voando no céu de meu país,
meu irmão famélico me caçaria
e afastaria, com a carne de meu corpo,
a sombra do túmulo de seu corpo.
Mas, ai de mim!
Não sou um grão de trigo
crescido nas planícies da Síria,
nem uma fruta madura nos vales do Líbano.
Esta é minha desgraça, esta é minha muda calamidade
que traz humilhação à minha alma
diante dos fantasmas da noite...
É a tragédia dolorosa que retesa minha língua,
amarra meus braços e me prende,
usurpado de poder, de vontade e de ação.
É a maldição que arde sobre minha cabeça,
diante de Deus e diante dos homens.
E frequentemente me dizem:
"O desastre de teu país não é nada
ante a calamidade do mundo,
e as lágrimas e o sangue vertidos por teu povo
não se comparam aos rios de sangue e lágrimas
derramados a cada dia e cada noite
nos vales e planícies da Terra..."
Sim, mas a morte de meu povo
é uma acusação silenciosa, é um crime
concebido pelas cabeças de serpentes invisíveis...
É uma tragédia sem música e sem cenário...
E se meu povo tivesse atacado os déspotas
e opressores e morrido como rebelde
eu teria dito: "Morrer pela liberdade é mais nobre
do que viver à sombra da débil submissão,
pois aquele que abraça a morte com a espada da verdade na mão
se eternizará com a eternidade da verdade,
pois a vida é mais fraca que a morte,
e a morte é mais fraca que a verdade".
Se minha nação tivesse participado
da guerra de todas as nações
e tivesse morrido no campo de batalha,
eu diria que a tempestade furiosa, com seu poder,
quebrara os ramos verde,
e a morte violenta sob o pálio da tempestade
é mais nobre do que o perecimento vagaroso
nos braços da senilidade.
Mas não houve resgate das mandíbulas fechadas...
Meu povo caiu e chorou com o lamento dos anjos.
Se um terremoto tivesse rasgado meu país em pedaços
e se a terra tivesse engolido meu povo em seu seio
eu teria dito: "Uma lei grande e misteriosa
foi acionada pela vontade da força divina,
e seria uma insanidade se nós, frágeis mortais,
nos arriscássemos a sondar seus segredos profundos..."
Mas meu povo não morreu em rebelião,
não foi morto no campo de batalha,
nem um terremoto abalou meu país e devorou meu povo.
A morte foi seu único resgate
e a fome foi seu único despojo.
Meu povo morreu na cruz...
Morreu enquanto suas mãos
se estendiam para o Oriente e para o Ocidente,
enquanto o que restava de seus olhos
ficava na escuridão do firmamento...
Morreu em silêncio,
pois a Humanidade tinha fechado seus ouvidos
ao lamento de meu povo.
Morreu porque não compactuou com o inimigo
Morreu porque amava seus vizinhos
Morreu porque confiou em toda a humanidade
Morreu porque não oprimiu seus opressores
Morreu por ter sido as flores esmagadas
e não os pés esmagadores
Morreu porque era obreiro da paz
Morreu de fome numa terra rica de leite e mel
Morreu porque os monstros do inferno se ergueram
e destruíram tudo o que crescia nos campos
e devoraram as últimas provisões dos celeiros...
Morreu porque as víboras e os filhos das víboras
cuspiram seu veneno por todo o espaço
onde os Cedros Sagrados, as rosas e os jasmins
exalam sua fragrância.
Meu povo e teu povo, meu irmão sírio, estão mortos...
O que se pode fazer pelos que estão morrendo?
Nossa lamentação não aplacará sua fome
e nossas lágrimas não saciarão sua sede
Que podemos fazer para salvá-los
das garras de aço da fome?
Meu irmão, a ternura que te impele
a dar parte de tua vida a qualquer humano
que está prestes a perder sua vida
é a única virtude que te torna digno
da luz do dia e da paz da noite...
Lembra, meu irmão,
que a moeda que deixas cair
na mão ressequida que se estende na tua direção
é a única cadeia de ouro que prende teu rico coração
ao coração amoroso de Deus...
Gibran Khalil Gibran
Gibran Khalil, em 'MORTO ESTÁ MEU POVO'
***
MORTO ESTÁ MEU POVO
(escrito no exílio durante a fome na Síria)
PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL
Meu povo se foi, mas eu ainda existo,
lamentando-o em minha solidão...
Mortos estão meus amigos,
e em sua morte minha vida nada é
senão um grande desastre.
As colinas de meu país estão submersas
em lágrimas e em sangue,
pois meu povo e meus seres amados se foram,
e eu estou aqui
vivendo como vivia quando meu povo e meus seres amados
estavam gozando a vida e a dádiva da vida,
e quando as colinas de meu país
estavam abençoadas
e mergulhadas na luz do Sol.
Meu povo morreu de fome
e os que não pereceram de inanição
foram massacrados pela espada.
E eu estou aqui, nesta terra distante,
vagando no meio de um povo alegre
que dorme sobre camas macias
e sorri para os dias,
enquanto os dias sorriem para as pessoas.
Meu povo morreu de uma morte sofrida e vergonhosa,
e aqui estou eu, vivendo na fartura e na paz...
Esta é a funda tragédia sempre encenada
sobre o palco de meu coração
Poucos se importariam em assistir a esse drama,
pois meu povo é como os pássaros
com asas quebradas, deixados para trás pelo bando.
Se eu estivesse esfaimado
e vivendo no meio do meu povo faminto,
e perseguido no meio de meus conterrâneos oprimidos,
o fardo dos dias negros seria mais leve
sobre meus sonhos inquietos,
e a escuridão da noite seria menos escura
diante de meus olhos ocos,
de meu coração em pranto, de minha alma ferida.
Pois aquele que compartilha
as dores e a agonia de seu povo
sentirá um conforto supremo,
criado somente pelo sofrimento no sacrifício.
E estará em paz consigo mesmo
quando morrer inocente com seus amigos inocentes.
Mas não estou vivendo com meu povo faminto e perseguido,
povo que caminha em procissão de morte rumo ao martírio...
Estou aqui, do outro lado do oceano largo,
vivendo à sombra da tranqüilidade
e ao brilho solar da paz...
Estou diante da arena terrível e dos desgraçados
e não posso me orgulhar,
nem sequer de minhas próprias lágrimas.
O que pode fazer um filho exilado por seu povo moribundo,
e qual o valor para este povo
da lamentação de um poeta ausente?
Se eu fosse uma espiga de trigo crescida na terra de meu país,
a criança faminta me arrancaria
e com meus grãos afastaria de sua alma
a mão da morte
Se eu fosse um fruto maduro no pomar de meu país,
a mulher esfomeada me colheria
e sustentaria sua vida.
Se eu fosse um pássaro voando no céu de meu país,
meu irmão famélico me caçaria
e afastaria, com a carne de meu corpo,
a sombra do túmulo de seu corpo.
Mas, ai de mim!
Não sou um grão de trigo
crescido nas planícies da Síria,
nem uma fruta madura nos vales do Líbano.
Esta é minha desgraça, esta é minha muda calamidade
que traz humilhação à minha alma
diante dos fantasmas da noite...
É a tragédia dolorosa que retesa minha língua,
amarra meus braços e me prende,
usurpado de poder, de vontade e de ação.
É a maldição que arde sobre minha cabeça,
diante de Deus e diante dos homens.
E frequentemente me dizem:
"O desastre de teu país não é nada
ante a calamidade do mundo,
e as lágrimas e o sangue vertidos por teu povo
não se comparam aos rios de sangue e lágrimas
derramados a cada dia e cada noite
nos vales e planícies da Terra..."
Sim, mas a morte de meu povo
é uma acusação silenciosa, é um crime
concebido pelas cabeças de serpentes invisíveis...
É uma tragédia sem música e sem cenário...
E se meu povo tivesse atacado os déspotas
e opressores e morrido como rebelde
eu teria dito: "Morrer pela liberdade é mais nobre
do que viver à sombra da débil submissão,
pois aquele que abraça a morte com a espada da verdade na mão
se eternizará com a eternidade da verdade,
pois a vida é mais fraca que a morte,
e a morte é mais fraca que a verdade".
Se minha nação tivesse participado
da guerra de todas as nações
e tivesse morrido no campo de batalha,
eu diria que a tempestade furiosa, com seu poder,
quebrara os ramos verde,
e a morte violenta sob o pálio da tempestade
é mais nobre do que o perecimento vagaroso
nos braços da senilidade.
Mas não houve resgate das mandíbulas fechadas...
Meu povo caiu e chorou com o lamento dos anjos.
Se um terremoto tivesse rasgado meu país em pedaços
e se a terra tivesse engolido meu povo em seu seio
eu teria dito: "Uma lei grande e misteriosa
foi acionada pela vontade da força divina,
e seria uma insanidade se nós, frágeis mortais,
nos arriscássemos a sondar seus segredos profundos..."
Mas meu povo não morreu em rebelião,
não foi morto no campo de batalha,
nem um terremoto abalou meu país e devorou meu povo.
A morte foi seu único resgate
e a fome foi seu único despojo.
Meu povo morreu na cruz...
Morreu enquanto suas mãos
se estendiam para o Oriente e para o Ocidente,
enquanto o que restava de seus olhos
ficava na escuridão do firmamento...
Morreu em silêncio,
pois a Humanidade tinha fechado seus ouvidos
ao lamento de meu povo.
Morreu porque não compactuou com o inimigo
Morreu porque amava seus vizinhos
Morreu porque confiou em toda a humanidade
Morreu porque não oprimiu seus opressores
Morreu por ter sido as flores esmagadas
e não os pés esmagadores
Morreu porque era obreiro da paz
Morreu de fome numa terra rica de leite e mel
Morreu porque os monstros do inferno se ergueram
e destruíram tudo o que crescia nos campos
e devoraram as últimas provisões dos celeiros...
Morreu porque as víboras e os filhos das víboras
cuspiram seu veneno por todo o espaço
onde os Cedros Sagrados, as rosas e os jasmins
exalam sua fragrância.
Meu povo e teu povo, meu irmão sírio, estão mortos...
O que se pode fazer pelos que estão morrendo?
Nossa lamentação não aplacará sua fome
e nossas lágrimas não saciarão sua sede
Que podemos fazer para salvá-los
das garras de aço da fome?
Meu irmão, a ternura que te impele
a dar parte de tua vida a qualquer humano
que está prestes a perder sua vida
é a única virtude que te torna digno
da luz do dia e da paz da noite...
Lembra, meu irmão,
que a moeda que deixas cair
na mão ressequida que se estende na tua direção
é a única cadeia de ouro que prende teu rico coração
ao coração amoroso de Deus...
Gibran Khalil Gibran
domingo, 20 de dezembro de 2009
Amai-vos...

Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.
Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.
Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.
Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.
Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,mas deixai
cada um de vós estar sozinho.
Assim como as cordas da lira
são separadas e,no entanto,
vibram na mesma harmonia.
Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.
Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.
E vivei juntos,
mas não vos aconchegueis demasiadamente.
Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.
E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.
Gibran Kahlil Gibran
segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Os Filhos
(Do Livro "O Profeta")
Uma mulher que carregava o filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos."
E ele falou:
Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.
Gibran Khalil Gibran
جبران خليل جبران
Uma mulher que carregava o filho nos braços disse: "Fala-nos dos filhos."
E ele falou:
Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.
Gibran Khalil Gibran
جبران خليل جبران
sábado, 31 de outubro de 2009
A FLOR
Eu sou uma palavra, que a Natureza pronuncia e depois a readquire e esconde no seu coração para novamente me tornar a proferir.
Sou uma estrela caída da cúpula azul do céu sobre um tapete verde.
Sou filha das matérias que o vento do inverno dispersou, a primavera elevou, o verão educou e o outono delicadamente adormeceu.
Sou o presente dos amantes e o diadema das noivas. Sou a última dádiva dos vivos aos mortos.
Pela manhã ajudo ao vento invocar a luz e, à tarde, associo-me aos pássaros, para a sua despedida.
Ao balançar sobre as planícies eu as enfeito e respirando, perfumo o ar.
Quando cerro as pálpebras, os muitos olhos da noite me contemplam. Só acordo sob o olhar do único olho do dia.
Sorvo o vinho do orvalho, ouço o canto dos pássaros e danço à cadência dos aplausos do prado.
Sempre olho para o alto para ver a luz, e não a minha sombra. E esta sabedoria os homens não são capazes de compreender.
Sou uma estrela caída da cúpula azul do céu sobre um tapete verde.
Sou filha das matérias que o vento do inverno dispersou, a primavera elevou, o verão educou e o outono delicadamente adormeceu.
Sou o presente dos amantes e o diadema das noivas. Sou a última dádiva dos vivos aos mortos.
Pela manhã ajudo ao vento invocar a luz e, à tarde, associo-me aos pássaros, para a sua despedida.
Ao balançar sobre as planícies eu as enfeito e respirando, perfumo o ar.
Quando cerro as pálpebras, os muitos olhos da noite me contemplam. Só acordo sob o olhar do único olho do dia.
Sorvo o vinho do orvalho, ouço o canto dos pássaros e danço à cadência dos aplausos do prado.
Sempre olho para o alto para ver a luz, e não a minha sombra. E esta sabedoria os homens não são capazes de compreender.
Gibran Khalil Gibran
Assinar:
Postagens (Atom)