A célebre forma de medicina moral (a de Aríston de Chios), a virtude é a saúde da alma, deveria ser pelo menos assim transformada para se tornar utilizável: A tua virtude é a saúde da tua alma. Porque em nós não existe qualquer saúde, e todas as experiências que se fizeram para dar este nome a qualquer coisa malograram-se miseravelmente. Importa que se conheça o seu objetivo, o seu horizonte, as suas forças, os seus impulsos, os seus erros e sobretudo o ideal e os fantasmas da sua alma para determinar o que significa a saúde, mesmo para o seu corpo. Existem, portanto, inúmeras saúdes do corpo; e quanto mais se permitir ao indivíduo, a quem não podemos comparar-nos, que levante a cabeça, mais se desaprenderá o dogma da igualdade dos homens, mais necessário será que os nossos médicos percam a noção de uma saúde normal, de uma dieta normal, de um curso normal da doença. Será só então que se poderá talvez refletir na saúde e na doença da alma e colocar a virtude particular de cada um nesta saúde, que corre muito o risco de ser num o contrário do que sucede com outro. Restará a grande questão de saber se podemos dispensar a doença, mesmo para desenvolver a nossa virtude, se, nomeadamente, a nossa sede de conhecer, e de nos conhecermos a nós próprios, não tem necessidade da nossa alma doente tanto como da nossa alma saudável, em resumo, se querer exclusivamente a nossa saúde não será um preconceito, uma covardia e talvez um resto de barbárie mais sutil e do espírito mais retrógado.
Friedrich Nietzsche, em 'A Gaia Ciência'
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