segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O valor de um conselho


Por Carlos Bernardo González Pecotche (Raumsol)

Encontrava-me, sendo criança, em uma estância e, como todas as crianças, gostava de me afastar das casas e correr pelos campos. Um dia, saí montado em um petiço, com o propósito de ir até um rio muito distante, ao qual para chegar, tinha que atravessar montes e serras. Andando um pouco, encontrei no caminho o capataz da estância, acompanhado por alguns camponeses, que ao ver-me, perguntou amavelmente aonde ia; ao responder que me dirigia ao rio, disse-me:

– "Para chegar ao rio, terá que passar por três porteiras; tenha cuidado, menino, porque ali existe gado bravo, e quando vê gente nova é capaz de atacar".

Eu já tinha ouvido falar dessa boiada, mas mesmo assim decidi continuar o caminho. As porteiras que tinha que cruzar para chegar ao rio eram dessas antigas, cujos paus horizontais, superpostos, se introduzem nos orifícios de dois postes verticais colocados em ambos os lados do caminho.

Ao passar pela primeira, lembrei-me da recomendação do capataz, o qual me havia dito que a deixasse aberta ou só com o pau inferior colocado, para o caso de que a boiada corresse atrás de mim. Quando atravessei a segunda, esqueci-me da recomendação e afastei-me após ter fechado a porteira com todos os paus; ainda bem que ouvi, próximo, um burro zurrar, e crendo que fosse um leão, ou algo parecido, rapidamente voltei para tirá-los. Ao passar a terceira porteira, já próxima do rio, também tirei os paus.

Descia o vale, quando vi, de repente, a boiada pastando tranquila. "É a isto que chamam de gado bravo?" – disse-me, ao mesmo tempo em que decidia passar no meio dele. Não havia transcorrido um minuto, quando um touro enorme, que me pareceu de vinte ou trinta metros cúbicos, levantou a cabeça, olhou-me e, em seguida, começou a correr na minha direção e, com ele, todos os demais. Então sim, vi o perigo e fincando as esporas nas ilhargas do meu petiço, passei como um bólido pelas porteiras. Vendo que levava vantagem, ao chegar à última detive-me para fechá-la e deter, assim, a passagem das bestas.

Passado o mau momento, instantaneamente me recordei do capataz. Emocionei-me; enchi-me de ternura e compreendi quanto bem me havia feito sua palavra; uma palavra humana, uma advertência... Recordo que, quando lhe referi o ocorrido, me disse:

– "Ah! jovem, você se salvou porque tirou os paus da porteira. Meu filho foi morto por essa boiada."

Compreendi, nesse instante, quanto pode encerrar uma palavra e como penetra quando é dita para fazer o bem; compreendi, também, que esse homem tinha querido salvar em mim o seu próprio filho, e isto jamais pôde apagar-se entre as tantas recordações que existem em minha vida.

Vejam agora, o que encerram algumas palavras, e recordem quantas vezes terão escutado frases similares às que disse aquele homem do campo, sem que as conservassem na memória, causa pela qual, logo depois, tiveram de passar momentos angustiosos.

Eu guardo, para todos aqueles que de uma ou outra forma contribuíram para fazer-me mais grata a vida, uma eterna gratidão, e estampo nessa gratidão a lealdade com que conservo essa recordação, a qual jamais pôde empalidecer ali onde se encerra tudo quanto constitui a história de minha vida.

Recordar o bem recebido é fazer-se merecedor de tudo quanto amanhã possa nos ser oferecido. Não esqueçam que, quando um pai dá um conselho, é porque já viveu tudo o que esse conselho encerra e que, ao expressá-lo, quer evitar ao filho o que para ele foi motivo de sofrimento ou causou-lhe danos.

Trechos extraídos do livro Introdução ao Conhecimento Logosófico p. 206
Fundação Logosófica - www.logosofia.org.br

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