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sábado, 5 de dezembro de 2009

Existimos em Função do Futuro

Tentai apreender a vossa consciência e sondai-a. Vereis que está vazia, só encontrareis nela o futuro. Nem sequer falo dos vossos projetos e expectativas: mas o próprio gesto que surpreendeis de passagem só tem sentido para vós se projetardes a sua realização final para fora dele, fora de vós, no ainda-não. Mesmo esta taça cujo fundo não se vê - que se poderia ver, que está no fim de um movimento que ainda não se fez -, esta folha branca cujo reverso está escondido (mas poderia virar-se a folha) e todos os objetos estáveis e sólidos que nos rodeiam ostentam as suas qualidades mais imediatas, mais densas, no futuro.
O homem não é de modo nenhum a soma do que tem, mas a totalidade do que não tem ainda, do que poderia ter. E, se nos banhamos assim no futuro, não ficará atenuada a brutalidade informe do presente? O acontecimento não nos assalta como um ladrão, visto que é, por natureza, um Tendo-sido-Futuro. E, para explicar o próprio passado, não será a primeira tarefa do historiador procurar o futuro?

Jean-Paul Sartre, em 'Situações I'

kkkkkkk É Sartre, seu inferno realmente são os outros!!! Pessoas como os estoicistas deviam ser o calo do seu sapato!!!

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Nunca se Escreve para Si Mesmo

O escritor não prevê nem conjectura: projeta. Acontece por vezes que espera por si mesmo, que espera pela inspiração, como se diz. Mas não se espera por si mesmo como se espera pelos outros; se hesita, sabe que o futuro não está feito, que é ele próprio que o vai fazer, e, se não sabe ainda o que acontecerá ao herói, isto quer simplesmente dizer que não pensou nisso, que não decidiu nada; então, o futuro é uma página branca, ao passo que o futuro do leitor são as duzentas páginas sobrecarregadas de palavras que o separam do fim.

Assim, o escritor só encontra por toda a parte o seu saber, a sua vontade, os seus projetos, em resumo, ele mesmo; atinge apenas a sua própria subjetividade; o objeto que cria está fora de alcance; não o cria para ele. Se relê o que escreveu, já é demasiado tarde; a sua frase nunca será a seus olhos exatamente uma coisa. Vai até aos limites do subjectivo, mas sem o transpor; aprecia o efeito de um traço, de uma máxima, de um adjetivo bem colocado; mas é o efeito que produzirão nos outros; pode avaliá-lo, mas não senti-lo.

Proust nunca descobriu a homossexualidade de Charlus, uma vez que a decidiu antes de ter começado o livro. E se a obra adquire um dia para o autor o aspecto de objetividade, é porque os anos passaram, porque a esqueceu, porque já não entra nela, e seria, sem dúvida, incapaz de a escrever. Aconteceu isto com Rousseau ao reler o Contrato Social no fim da vida.

Não é portanto verdade que se escreva para si mesmo: seria o pior fracasso; ao projetar as emoções no papel, a custo se conseguiria dar-lhes um prolongamento langoroso. O ato criador é apenas um momento incompleto e abstrato da produção de uma obra; se o autor existisse sozinho, poderia escrever tanto quanto quisesse; nem a obra nem o objeto veriam o dia, e seria preciso que pousasse a caneta ou que desesperasse.

Mas a operação de escrever implica a de ler como seu correlativo dialético, e estes dois atos conexos precisam de dois agentes distintos. É o esforço conjugado do autor e do leitor que fará surgir o objeto concreto e imaginário que é a obra do espírito. Só há arte para os outros e pelos outros.

Jean-Paul Sartre, em 'Situações II'

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A Função do Escritor

O escritor escolheu a revelação do mundo e especialmente a revelação do homem aos outros homens para que estes adquiram, em face do objeto assim desnudado, toda a sua responsabilidade. Ninguém pode fingir ignorar a lei, porque há um código, e porque a lei é coisa escrita: depois disto, pode infringi-la, mas sabe os riscos que corre. Do mesmo modo, a função do escritor é fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e que ninguém se possa dizer inocente.

Jean-Paul Sartre, em 'Situações II'